COMPUTADOR PART-TIME

 Em 1985, para os trabalhos de pesquisa, ainda não havia os computadores pessoais (PCs) que pudessem dar conta da demanda de cálculo.  Havia sim terminais remotos a um grande computador central que se costumava chamar de main-frame.  O IAE tinha um computador “main-frame” que deveria atender à essa demanda. 

Eu digo deveria porque não atendia, devido aos seus frequentes defeitos e falhas de comunicação com os terminais remotos.  Assim, era mais comum que utilizássemos a conexão com outro main-frame que ficava alguns quilômetros distante, em outro instituto - o IEAv (Instituto de Estudos Avançados).  Esse embora mais lento devido à distância, funcionava normalmente.

Demorou um pouco para que eu percebesse o motivo.  O main-frame do IAE, todos os dias, era desligado ao fim do expediente e religado na manhã seguinte.  Como os main-frames deveriam ficar sempre ligados, aquele era um computador part-time.  A justificativa para tal é que não havia funcionários para ficar fora do expediente “tomando conta” do computador.

Eu, como engenheiro eletrônico, sabia que essa seria a principal causa das constantes panes do computador (e consequente custos de manutenção). Ao se ligar qualquer circuito eletrônico, existe sempre um transiente de corrente que se chama rush-in.  Num circuito tão grande e que consumia tanta corrente elétrica, como os main-frames, o rush-in era mortal.  Por isso a recomendação de todos os fabricantes era que o computador nunca fosse desligado.

Essa informação nem precisaria que fosse de conhecimento geral.  Bastaria comparar com o desempenho do main-frame do IEAv, que nunca era desligado, e estava em pleno funcionamento.

Entretanto, parece que isso não incomodava a direção do IAE.  Não se conseguiu uma solução para o problema que seria a manter o computador sempre ligado.  Talvez porque houvesse a solução paliativa do uso do computador do IEAv.  Certamente, o benefício que o computador teria em trabalhar em tempo integral compensaria em muito os custos de ter um pessoal trabalhando fora do expediente.  Isso sem falar na economia de manutenção do mesmo.

Com a chegada em larga escala dos PCs, o mainframe do IAE foi desativado e não se falou mais nisso.

Nunca entendi porque o IAE não alocou pessoas para manter aquele computador em tempo integral.  Não era devido a nenhum problema de legislação.  Afinal o IEAv fazia isso sem problemas.  Também não seria por problemas financeiros.  Até onde sabia o IAE tinha mais recursos que o IEAv.

Isso é um exemplo de qual a prioridade a gestão de uma instituição dá aos seus objetivos.  Pode até parecer brincadeira, mas os objetivos parecem não ser a prioridade número 1.  Não seriam os objetivos a razão de ser de qualquer instituição?  Entretanto, o que começava a ficar claro para mim, é que as instituições públicas estão mais preocupadas em não arrumar confusão com as regras que elas mesmos criam.  Costumava-se a se referir a isso como um sistema autofágico – que se alimenta de si mesmo.  Já os objetivos, esses chatos que ficam infernizando a vida dos gestores, quando puderem ser alcançados serão por milagre.

Comentários

  1. Criar regras ou aplicá-las de forma esdrúxula cria-se mais problemas do que se resolve aquele para o qual a regra foi criada ou a interpretação da regra foi feita. Depois de alguns anos no serviço público, percebo que esse tipo de comportamento é uma psicopatia. Não sei se existe um ramo da ciência do comportamento humano que estuda isso, mas deveria existir.

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    1. Bem colocado Unknown. Tentei propor algo sobre isso no post - possessão burocrática.

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  2. O problema de instituições puramente técnicas é que faltam pessoas com a habilidade de fazer o superior ter aquela ideia "por conta própria". E muitas vezes quando existe alguém com esta habilidade, nem sempre usam para algo produtivo.

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