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Mostrando postagens de julho, 2020

Anexo do Hospício

Um fato me chamou a atenção já nas primeiras semanas como profissional.   O Campo de Provas da Marambaia tinha um local próprio para almoço – por sinal muito bom.   Eu estava na fila do bandejão e estava à minha frente o Tenente Sena (* nome fictício).   Percebi que o Ten. Sena teve o trabalho de colocar a concha de feijão no rechaud   e coar todo o caldo do feijão e ficar só com os caroços na concha.   Fiquei pensando que ele devia gostar só dos caroços.   Então, ele colocou novamente a concha no recipiente e, dessa vez, pegou apenas o caldo não permitindo a entrada de nenhum caroço.   Não me contive diante daquela cena bizarra e perguntei: porque você está fazendo isso ? Porque está pegando somente caroços e depois somente caldo e misturando tudo novamente.   Ele respondeu:   “É porque gosto de saber exatamente a quantidade de caldo e de caroços que como”. Imediatamente, me veio à mente: esse homem não é normal.   Isso se confirmou posteriormente quando eu soube que ele havia dad

Concreto Desobediente

Essa história me foi contada logo que comecei a trabalhar.  Na década de 70, estava sendo construída, no Campo de Provas da Marambaia, uma grande caixa d’água sobre pilotis.   Para isso havia sido contratada uma empreiteira e o trabalho estava indo normalmente.   Então, o diretor do CPrM chamou o engenheiro responsável pela obra e explicou que se aproximava o dia de aniversário da instituição e ele queria inaugurar a caixa d’água naquele dia, como parte das comemorações.   O engenheiro então disse que seria impossível de se concluir a obra até aquela data. Foi então que o diretor lhe disse: “isso não é um pedido, é uma ordem!” Incontinenti o engenheiro retrucou: “general, o senhor dê ordens para o concreto secar .   Se ele lhe obedecer, eu entrego a obra no prazo que o senhor quiser.”       Até entendo a boa intenção do general.   Entretanto, nem bons desejos nem ordens podem afetar a natureza.   Em muitos processos não é possível encurtar prazos.   Eles têm sua própria dinâmica e

Vendo o átomo

Na segunda metade da década de 70, o departamento de metalurgia possuía um microscópio eletrônico capaz de amplificar 2 milhões de vezes.   Era o top de linha na época.   Trabalhava com a reflexão de um feixe de elétrons sobre uma superfície metálica polida. Apresentava o resultado em uma tela similar a uma TV em preto e branco.   A aparência da superfície metálica era semelhante a uma paisagem lunar cheia de cânions.   Bem impressionante de ver. Quando eu estava assistindo a esse experimento, o operador do equipamento me contou que, naquela semana, eles haviam recebido a visita de uma autoridade importante.   Quem fez as honras da casa foi o vice-diretor que explicou ao ilustre visitante as características do microscópio.   Quando a imagem dos “cânions” apareceu na tela, o preletor exclama: “ Excelência, ali estão os átomos” !!! Fiquei estupefato e com dificuldade em acreditar no que acabara de ouvir, perguntei ao técnico do laboratório: “e o que o visitante disse?”.   Ele não fa

CASA FURADA

Ainda em 1979, no galpão que hospedava o sistema Roland, havia um almoxarifado com um grande ferramental para a manutenção dos veículos lançadores de mísseis (PANZERs).   Eu estava desenvolvendo um protótipo eletrônico e precisei de uma furadeira (dessas que toda casa tem hoje).   Fui até o almoxarifado e perguntei se havia uma furadeira.   Me responderam que sim, mas que estava com o Maurício (* nome fictício).   Mauricio era um funcionário de nível médio, que na época chamava de estatutário, diferentemente dos demais que eram contratados Celetistas.   Fui até o Maurício e pedi para usar a furadeira.   Ele me disse que havia levado pra casa para fazer uns furos.   Como não era urgente, só o procurei na semana seguinte e ele me deu a mesma resposta. Aquilo me incomodou.   Já não bastasse estar usando do patrimônio público como se fosse seu particular, estava atrapalhando o desenvolvimento do meu trabalho.   Falei então já num tom mais sério que eu queria que ele trouxesse de volta

Macaco Gordo

Ainda em 1981, eu trabalhava no projeto ATTMM – Aquisição de Tecnologia em tele direção e materiais para mísseis que era chefiado pelo Tenente-Coronel Bernardo Severo da Silva Filho (a quem honro aqui como um bom chefe e bom amigo).   Eu estava precisando de uma certa orientação para a minha dissertação que era pilotagem de mísseis em fase de cruzeiro.   No Rio de Janeiro não havia ninguém que pudesse me ajudar.   Então, fiz contato com o pessoal do IAE que estava desenvolvendo o míssil Piranha e marquei uma visita a São José dos Campos para conversarmos. O ATTMM tinha verba para essa finalidade.   Os recursos do projeto eram administrados pelo TC Pereira (* nome fictício).   Solicitei então que fosse comprada a passagem Rio –   São José – Rio, bem como uma diária (fiquei apenas uma noite).    Realizada a missão com grande sucesso, me dirigi ao meu chefe o TC Severo para relatar o que havia sido discutido.   TC Pereira estava presente.   Eu estava eufórico e disse que deveríamos te

Equipamento Indisponível

Em 1981 eu estava desenvolvendo minha dissertação de mestrado no sistema de controle do míssil Roland, de cuja equipe eu fazia parte.   Decidi fazer uma malha de simulação para testar a validade do trabalho.   Era em um grande computador analógico EAI-580.   Naquela época não havia ainda disponível os recursos computacionais de hoje.   Tudo era analógico e deveria ser gravado através de registradores de papel.   Os sinais eram desenhados com uma espécie de pena de tinta mecânica.    Como era de se esperar, só conseguia registrar sinais lentos (no máximo 2 Hz).   Acontece que a frequência que eu precisava registrar era 13Hz.   Fiquei sabendo que havia um registrador especial que marcava o papel de forma térmica e tinha a capacidade de registrar o que eu precisava.   Ficava no departamento de mecânica enquanto o EAI-580 ficava no departamento de eletrônica.    Fui até laboratório onde se encontrava o tal equipamento e falei com o responsável.   Não lembro o seu nome, então vou chamá-

A Inércia

No primeiro semestre de 1979 eu estava trabalhando no Campo de Provas da Marambaia.   O expediente lá começava por volta das 7:30. Eu estava desenvolvendo um circuito eletrônico e precisava de um osciloscópio que se encontrava no almoxarifado do CPrM.   Por volta das 8:30, caminhei até lá e fui atendido prontamente pelo Tenente Itália (* nome fictício)   que imediatamente trouxe o equipamento, colocou em cima da mesa e me deu uma cautela para que eu assinasse.   A cautela estava previamente preenchida à máquina com a descrição detalhada do equipamento.   Eu assinei a cautela, bastante satisfeito com a eficiência, até então.   A partir desse instante, o Tenente Itália dirigiu-se até a porta e ficou em silêncio, de braços cruzados, olhando para o mar que ficava bem em frente.   Após alguns instantes de estranho silêncio, tomei a iniciativa de perguntar: “então tenente?   tudo certo ?   posso levar o osciloscópio ?”   Ele então respondeu: “É preciso datilografar o seu nome na cautela

Começam os problemas

O projeto Roland ficava do IPD situado no forte São João – Urca, RJ.   Entretanto, todo o material do sistema de armas havia sido instalado no Campo de Provas da Marambaia, mais de 60 Km do IPD.    Isso implicaria viagens diárias de Kombi que pegava cada funcionário para levar e trazer da Marambaia.   Eu passava de 3 a 4 horas por dia dentro da Kombi e, no máximo, 7 horas de trabalho, numa semana de 4 dias. Isso porque a Marambaia ficava muito longe, então faziam o expediente maior que 8 horas de segunda a quinta e não havia expediente na sexta-feira.   Como nós éramos ligados ao IPD que tinha outro expediente, então havia uma intercessão de expedientes.   Quando não havia expediente no IPD não trabalhámos, por sermos funcionários do IPD.   Quando não havia expediente na Marambaia não trabalhávamos por não podermos ter acesso ao Campo.   Soma-se a isso, duas vezes por semana havia educação física de 1 hora.   Resultado é que tínhamos em torno de 26 horas de trabalho por semana e eu m

O começo

Para ser um grande pesquisador era preciso o melhor preparo.   Com a ajuda do querido Professor Guilherme Fonseca de Oliveira (faço questão de honrá-lo aqui) procurei saber onde eu deveria ir para estar em condições de tal intento.   Fiquei com as 2 opções mais famosas - IME ou ITA - e também os vestibulares mais difíceis do país. O ano de 1973 – o pré-vestibular – foi mágico.   Fiz a turma IME/ITA do curso Bahiense.   Passava 8 horas por dia no cursinho e depois mais 4 horas de estudo em casa, no mínimo, de segunda a sábado e tinha prova aos domingos.   Foram 10 meses de esforço concentrado que mudaram a minha vida.   Passei para as duas instituições e escolhi ficar no IME. Já no primeiro ano do IME fiquei sabendo que o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas CBPF ficava a 500 m de do IME.   Tratei de conseguir uma bolsa de iniciação científica por 2 anos lá. Já no segundo ano, o chefe da seção de física do IME me contratou para fazer um estudo para ele e me pediu que eu desse algu

Introdução

Eu tinha 14 anos quando o homem pisou na lua.   Acompanhei pelo rádio este momento histórico.   Na mesma época haviam séries na TV, que apelavam para uma ciência futurística, como Túnel do Tempo e Perdidos no Espaço.   Foi nessa época e nesse ambiente que decidi que seria um “cientista”.   No Brasil isso soa gabola.   É mais fácil falar pesquisador. Eu me imaginava dentro de um laboratório, virando noites, pensando e estudando para descobrir coisas incríveis.   Quando soube que o Brasil nunca tinha tido um prêmio Nobel eu me propus a ser o primeiro.   Vou me dedicar muito e ser o orgulho do meu país, pensava eu. Na minha ingenuidade talvez achasse que faltavam bons cérebros ou que seria apenas uma questão de esforço e dedicação pessoal.   Eu não fazia a mínima ideia do que estava me esperando.   A burocracia estúpida e as atitudes mesquinhas e irresponsáveis, aliadas à incompetência e ao desvirtuamento das praxes, tornam impossível um trabalho sério e duradouro que produza os fru