Enganando
A viagem que fiz em 1989 (mencionada no post milagre parte 1) também teve um desdobramento absurdo. Havia sido programada minha visita a 4 empresas americanas e, por um emblogio de uma delas com o governo americano, a visita não pode ser realizada. Assim, retornei uma semana antes e deveria devolver as diárias recebidas antecipadamente, referentes ao período não utlizado.
O pagamento de diárias, naquela época era feito através do setor de administração de pessoal que ficava no Rio de Janeiro (se me lembro chamava SOP). A SOP enviava um fax com uma portaria determinando o valor das diárias a serem retiradas pelo seu equivalente em dólares no Banco do Brasil.
Eu já havia me transferido para a divisão de sistemas bélicos quando fui ao setor de pessoal do IAE, portando meu talão de cheques, para efetuar a devolução das diárias. Não me lembro do valor exato mas seria em torno do equivalente de 1000 dólares. Fui atendido pelo responsável, o Pancrácio (nome fictício). Eu estava com a cópia da portaria que definia a missão e expliquei o que se passou.
Perguntei ao Pancrácio de quanto seria o valor que eu deveria devolver e me preparava pra preencher o cheque quando eu me disse: você tem que devolver em dólares!! Isso me pegou de surpresa, pois nunca ouvira falar de devolução em dólar. Ele me jogou na mesa uma pasta com a legislação à respeito. Eu peguei o documento e estava claramente escrito: a diária deve ser devolvida na moeda em que foi paga.
Então respondi: está correto pois na portaria diz explicitamente o valor das diárias pagas em moeda nacional e uma mensagem ao Banco do Brasil dizendo seu equivalente em dólar. Logo devo devolver em moeda nacional (cruzados). Pancrácio então respondeu: esse documento é apenas para enganar o Banco do Brasil!!!
Uma portaria oficial do COMAER para enganar o Banco do Brasil?? Certamente isso não me convenceu. Voltei para minha divisão, procurei meu chefe e contei o que estava acontecendo e pedi que ele investigasse isso pois eu achava que era algo ilegal. Ele foi saber à respeito perguntando ao próprio Pancrácio que, obviamente, validou a sua versão.
Mas eu não estava satisfeito. Eu sabia que aquilo era um trambique. A diferença entre o dólar no câmbio paralelo e o oficial era muito grande naquela época e era uma forma de poupança importante. Tive então uma idéia interessante para saber se era trambique ou não. Liguei para Pancrácio e disse que eu já havia vendido os dólares e teria que os recomprar e que o câmbio no Rio de Janeiro era mais favorável que São Paulo. Assim eu levaria os dólares pessoalmente na SOP.
Alguns minutos depois Pancrácio me ligou e disse: "sabe que você tem razão! Você deve pagar em cruzados mesmo. Pode vir aqui trazer o cheque. " Fui imediatamente levar-lhe o cheque com a recomendação de eu precisava saber quando ele seria depositado pois eu devia liberar a aplicação do recurso (na época levava 24 horas). Naquele momento eu ainda tinha esperança de que o dinheiro iria para a SOP.
Na semana seguinte, procurei a responsável por minha conta do Banco para saber se tinha sido tudo bem. Fui surpreendido com a informação de que Pancrácio havia tentado sacar o valor na boca do caixa e que desistiu quando soube que eu seria informado.
Nunca fiquei sabendo onde foi para aquele dinheiro. Duvido que tenha voltado para o seu dono - a SOP. Fiz o que estava a meu alcance. Evitei ser enganado e avisei ao meu chefe do que estava acontecendo. Mas o prejuízo para o governo não foi evitado.
Enquanto não houver uma postura firme contra os Pancrácios que infestam o serviço público, não avançaremos em ética e seriedade no trato com a coisa pública - afinal é o bem de todos nós.
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