Chinelo Mutante

 Como já mencionei no post  “começam os problemas”, o Campo de Provas da Marambaia era uma organização militar e havia educação física obrigatória duas vezes por semana.  Todo o trabalho era suspenso naqueles momentos e podíamos jogar bola, ir à praia ou fazer outra atividade física que desejássemos, terminando com um delicioso banho.  Para isso mantínhamos nossas roupas próprias em um pequeno vestiário. 

Havia também, em nosso setor, um funcionário terceirizado para a limpeza que chamarei de Zé.  Zé era morador das redondezas e tinha uma personalidade estranha, sempre de cara amarrada.  Os outros colegas de trabalho, mais antigos, não gostavam dele e o achavam com atitude suspeita.  Aconteceu que o meu par de chinelos desapareceu do vestiário.  Perguntei a todos os meus colegas e ninguém havia visto.  Concluí então que ele havia sido subtraído.  Comentei isso em voz alta.  Posteriormente, descobri que essa é uma tática muito eficiente - mais tarde comentarei sobre isso em um post chamado: fantasma.

Não só reclamei do desaparecimento do meu chinelo em voz alta mas também anunciei que reportaria isso à chefia.  Qual não foi a minha surpresa que no dia seguinte o par de chinelo estava exatamente onde deveria estar.  Parecia que eu havia me enganado, a menos por um detalhe – um pé de chinelo era 40 e o outro pé 41 !!  Ou seja, estava diante de um chinelo mutante.  Ele de ter saído para dar uma voltinha e sofreu uma estranha mutação.  Um pé encolheu e o mais incrível é que o número também se alterou; de 1 virou 0.

Relatei o ocorrido aos meus colegas, achando muita graça mas eles não acharam.  Então, me confidenciaram que já desconfiavam do Zé e aquela era a prova de que algo estava errado.  Eu já havia parado de ir na Marambaia quando soube que deram uma batida na casa do Zé e encontraram diversos objetos roubados do nosso setor.  

Na mesma época flagraram um funcionário estatutário que furtava os rádios dos carros que ficavam estacionados dentro do quartel.  Comecei a perceber que não se tratava de um caso isolado.

Depois disso, tivemos um veículo de instrumentação aberto e todos os instrumentos roubados.  Ele estava trancado, dentro de uma garagem totalmente cercada e trancada.  A investigação não concluiu nada, embora todos soubessem que se tratava do filho do sub-comandante.

Ao longo de toda a minha carreira me deparei com dezenas de caso de furtos do patrimônio público, onde raramente alguém tenha sido punido por isso.  Trata-se de uma prática bastante difundida.  Saquear os bens públicos e de tudo que estivesse disponível, confiando que dentro de um quartel estaria seguro.

Pior do que saber dessas ocorrências é perceber que elas acontecem sem que isso deixe as pessoas tocadas com os fatos.  Não denunciam nem se esforçam para que os responsáveis sejam punidos.  Isso sempre foi, para mim, grande causa de estresse pois procurei denunciar todo o tipo de crime.  O quê me trouxe muita amargura, perda de tempo e, principalmente, perda da credibilidade para com a instituição a qual pertencia.

Comentários

  1. Dentre os diversos aspectos que podemos observar neste caso, um me salta aos olhos de Uma forma que nao consigo entender. Como pode alguém não se estressar diante de Fatos como estes e permanecerem “anestesiadas” diante de evidências que comprovam injustiça, impunidade, desrespeito e o costumeiro “ no final não “pega” nada.

    ResponderExcluir
  2. O mais incrível é que não há punição. Em não havendo punição a porteira fica aberta para outros praticarem o mesmo sabendo que ficarão impunes.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

HOMEM DE CONFIANÇA

SABOTADOR

BARATO QUE SAI CARO