O Barco

 No período em que trabalhei no Campo de Provas da Marambaia eu comecei desenvolver alguns circuitos eletrônicos que deveriam ser usados como ferramentas de teste para os demais equipamentos que faziam parte do sistema de mísseis Roland.  Resolvi então fazer um rack de madeira que contivesse as placas de circuito.  Fiz um esboço e encaminhei para a carpintaria do IPD (que ficava no Forte São João na Urca) onde eu era lotado.  Havia uma carpintaria no prédio ao lado de onde trabalhava no CPrM mas fui orientado a não pedir nada lá pois eu não era vinculado àquela organização e sim ao IPD.

O tal rack demorou meses pra ser feito e, quando chegou, veio todo errado.  Fiquei indignado com aquilo pois tratava-se de algo muito simples de ser feito.  Até pensei que pudesse ser culpa minha que não tivesse sido claro naquilo que queria ou que eles estivessem ocupados com coisas mais importantes.  Na primeira oportunidade em que tive de ir à minha sede na Urca, fui na tal carpintaria para pedir que refizessem o serviço.  Qual não foi a minha surpresa ao entrar no galpão da carpintaria.  Me deparei com um enorme barco que ocupava quase todo o galpão, sendo construído.  Não era um barco com finalidade militar mas claramente um barco destinado à recreação.  Quando vi aquilo e entendi o que estava acontecendo me retirei do lugar, indignado, sem falar com ninguém.

No dia consecutivo, de volta ao CPrM, procurei a carpintaria que ficava bem ao lado do meu prédio e consertei eu mesmo o bendito rack.  Foi a primeira e última vez a solicitar serviço daquela carpintaria que, em vez de cumprir com sua obrigação, usava tempo e material público para serviços particulares.

Essa foi a primeira de múltiplas vezes em que percebi a condescendência com o erro no serviço público.  Uma coisa é um funcionário que usa o material público para fins particulares, como no caso do Maurício relatado no post “casa furada”.  Mas nesse caso, um objeto daquele tamanho, além de envolver diversas pessoas, jamais passaria desapercebido dos demais funcionários, especialmente da chefia.  Ou seja, conivência generalizada e, provavelmente, cumplicidade.  Uso do bem público para fins particulares e, para piorar, não cumpriam com suas obrigações (não fizeram direito uma simples estrutura de madeira).

Lembrei-me de uma frase que ouvi de alguém há algum tempo atrás.  “Em outros países o que é público é de todos.  No Brasil não é de ninguém”.  Temos que mudar essa mentalidade, se quisermos construir uma nação digna.  Todo bem público é pago com o trabalho de todos os contribuintes e deve ser levado muito à sério. 

Comentários

  1. Provavelmente o barco era do chefe. Enfim, uma triste constatação que realmente tudo o que é público no Brasil é tratado como se fosse de ninguém, como se fosse de graça, caído do céu.

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