Urubu Malandro

Em 1980 ainda no projeto Roland (que era um sistema de mísseis terra-ar), precisávamos de treinamento operacional do sistema de armas fazendo acompanhamento de alvos.  O mais óbvio era pedir que a FAB fizesse alguns sobrevoos sobre a Restinga da Marambaia.  Entretanto, isso seria uma operação muito cara segundo o chefe do projeto, o Coronel Asdrúbal (*nome fictício).  Asdrúbal, então, teve uma grande idéia.  Solicitou a Escola de Comando e Artilharia de Costa EsCosAAe, por empréstimo, um de seus VANTs – veículo aéreo não tripulado.  Esses VANTs eram usados nos treinamentos de tiro, ao puxar um biruta que seria o alvo da artilharia antiaérea.  Ele seria, então, utilizado como nosso alvo de rastreamento.

Havia entretanto um problema.  Naquela época, os VANTs eram operados apenas visualmente.  Ou seja, o operador do VANT precisava vê-lo para controlá-lo.  Isso limitava o tamanho do percurso e da manobra que o nosso “alvo” poderia executar.   Asdrúbal aprimorou sua ideia.  Propôs que o sistema de rastreamento radar da Marambaia rastreasse o VANT e fizesse o papel do olho do operador.  O operador do VANT, por sua vez, ficaria do lado de fora, na beira da praia, com um rádio comunicador, recebendo as orientações do pessoal do radar.

Parecia uma boa ideia e assim foi feito.

No dia do treinamento, posicionamos o Panzer Roland na praia, enquanto o operador lançou o VANT e ficou aguardando as ordens vinda do Radar.  Depois que o radar começou a rastrear o VANT, o operador foi seguindo as orientações advindas do rádio e o VANT foi se afastando até sumir da vista.

O operador continuou seguindo as ordens do Radar.  “Está muito alto – desce” gritou a voz no rádio.  O operador obedeceu.  “Está muito alto – desce” gritou novamente a voz no rádio.  O operador obedeceu.  Foi quando o VANT apareceu, praticamente surfando as ondas do mar, antes de se espatifar contra as águas. 

Continuou-se a ouvir o rádio “Está muito alto – desce”.  O operador esbravejou no rádio:  como pode estar alto se ele acaba de cair no mar !!!  O rádio ficou em silêncio por alguns instantes e então a voz falou: continuamos a ver no radar o alvo, pelo voo lento deve ser um urubu!!!

O radar havia deixado de rastrear o VANT e passara a rastrear um grupo de urubus que faziam o seu passeio matinal.  O treinamento fora um fracasso total com prejuízo da perda do VANT.  O pessoal da EsCosAAE ficou furioso com o ocorrido pois haviam perdido um dos seus instrumentos de trabalho por nada.  Ameaçaram de fazer uma representação contra Asdrúbal.

Essa história acabou que nos deslocamos para a Base Aérea de Santa Cruz e fizemos o treinamento com aviões de verdade, fazendo manobras de ataque de verdade.  Tenho fotos desses momentos inesquecíveis.

Hoje, olho para esse episódio de 40 anos atrás e penso que aquelas pessoas pareciam crianças com um brinquedo novo.  Às duras penas e muito prejuízo, descobriram que nem toda boa ideia dá certo, basta aparecer um urubu malandro.

Comentários

  1. Excelente história, consigo imaginar cada um dos momentos de brilhantismo e arrogância para salvar uma ideia ruim

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  2. Rindo aqui!!! Que passarinho danado!! Kkkkk
    Os nomes fictícios são ótimos! Rs

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  3. Kkkkkkkkk, hilario Dr. Waldemar, kkkkkkkk.

    Abs

    Duda Falcão

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  4. KKKKKK
    Excelente história!
    Acho que o senhor deveria transformar esse material em livro.

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  5. Essas histórias explicam acontecimentos do tipo "Batalha das Toninhas".

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  6. Eu até certo ponto entendo essa situação, pois, se passaram 40 anos e a velocidade da informação comparada aos dias de hoje era praticamente nula. Isso faz parte do aprendizado.

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  7. Faltou a análise de risco. Se é que existia isso na época.

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