SAM100 - O Pepino

 Em 1982 eu já havia deixado o projeto Roland e estava trabalhando no projeto ATTMM (aquisição de tecnologias em tele-direção e materiais para mísseis).  Precisávamos de meios para simular as equações da dinâmica de voo dos foguetes.  Na época, a principal ferramenta para isso eram os computadores analógicos.  Como eu havia feito minha tese usando um e era engenheiro eletrônico propus ao meu chefe construir um computador analógico com os recursos do projeto.  Ele se chamou SAM_100 (simulador analógico modular).

Logo no início identifiquei a necessidade de relés especiais (reed) e chamei o representante para definirmos a compra.  Ele me passou a cotação e eu lhe disse que compraríamos 50 unidades.  Imediatamente eu levei, em mãos, a cotação ao sargento que cuidava das compras.

15 dias depois, estava em cima da minha mesa, a caixa com os relés.  Fiquei surpreso com tanta eficiência.  Mas essa alegria durou pouco.  Na semana seguinte, meu chefe me procurou e me disse que não mexesse naquela caixa pois havia tido um problema.  O material havia chegado junto com a nota fiscal e ainda não havia sido emitido o pedido de compra.  Como o pedido de compra não podia ter data posterior ao da nota fiscal, surgiu um impasse. 

Perguntei o porquê do pedido de compra não ter sido feito, já que eu havia entregue a cotação no mesmo dia em que o representante me deu.  A resposta era óbvia.  O responsável havia engavetado o pedido.  Como eu não estava precisando dos relés naquele momento, continuei trabalhando no projeto normalmente. 

Meses depois, eu indaguei se já poderia usar os relés e fiquei sabendo do desenrolar da história.  O instituto simplesmente tomou a atitude de não fazer nada, pois “não podia agir contra a lei”.  Não podia emitir a nota fiscal e fim de conversa.  Acontece que a empresa entrou na justiça e acionou o diretor do instituto para o pagamento da dívida.  Isso gerou um processo interno que fiquei sabendo chamou-se: o pepino do Waldemar!!!! 

Não se tratava apenas de nominar o assunto e sim que queriam me responsabilizar pelo ocorrido.  O que havia feito eu de errado?  Absolutamente nada, estava simplesmente fazendo meu trabalho. 

Felizmente não precisei me preocupar com tal descalabro.  O pepino já havia sido descascado.  Quem me contou o desenlace da situação, foi o Major Stoppato (já falecido).  Durante uma reunião do comandante com os demais chefes para tratar do assunto, queriam que toda a responsabilidade do ocorrido fosse atribuída a mim.  Stoppato, sabiamente, tomou a palavra de disse que era preciso seguir toda a cadeia de fatos que originaram o problema.  Como um material que não havia sido pedido havia entrado na organização?  Como o almoxarifado o havia recebido? e por aí foi.  Ao final de sua explanação concluiu que, pelo menos 8 militares estariam envolvidos.  Ao ouvir, isso o comandante disse: eu vou resolver isso.  Saiu da sala, ligou para o dono da empresa que forneceu os relés e pediu que cancelasse a nota fiscal e emitisse outra, com nova data e incluindo os impostos pagos pela primeira.  BINGO!  Descascado o pepino.

Esse episódio traz uma série de absurdos que precisam ser banidos do nossa cultura.  O irresponsável e incompetente causador do problema nem foi mencionado.  Quem poderia ter dado solução imediata ao problema se omitiu se escondendo atrás da legislação.  Quando a empresa lesada por essa incompetência foi à justiça, procuraram culpar quem não tinha nada com o imbróglio.  Somente quando se percebeu que diversos chefes seriam envolvidos, resolveu-se tomar uma atitude.  Finalmente, a solução era simplíssima e dentro da lei.  Precisou de apenas um telefonema.

Comentários

  1. A frase "Quem quer age, quem não quer arruma uma desculpa".
    E afinal, os relés funcionaram e o computador funcionou?

    ResponderExcluir
  2. Haha, essa crônica oferece elementos para montar uma trilogia. Afinal, quem comprou os relés sem a emissão da PO?

    ResponderExcluir
  3. Ainda bem que estes •incidentes” eram coisas do passado... hoje em dia não se encontram mais pessoas que ainda pensam, diante de seus deslizes em algo do tipo “arrumar um culpado”!
    Mesmo sendo especialistas nisto, eles estão cada dia mais assumindo suas responsabilidades e aceitando arcar com as consequências dos erros cometidos!!! Sonho meu.

    ResponderExcluir
  4. Um monte de gente que não tinha noção do que fez e do iria fazer. Teve que chegar na chefia para tomarem uma decisão muito simples. E o pior, o primeiro esforço mental foi achar um "culpado".

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

HOMEM DE CONFIANÇA

SABOTADOR

BARATO QUE SAI CARO