Possessão Burocrática

 Antes de seguir com os meus “causos”, vale a pena refletirmos sobre um dos verdadeiros inimigos – a burocracia.  É fundamental entender o que é a burocracia e como ela possui o indivíduo e a sociedade.  Uso o verbo possuir pois cheguei à conclusão de que a burocracia tem um aspecto emocional / espiritual semelhante à possessão demoníaca e assim passo a chamá-la de possessão burocrática.

A palavra burocracia advém do termo francês bureau (escrivaninha) e remete ao trabalho administrativo / organizacional.  Qualquer empreendimento precisa ser organizado para ser bem administrado.  Essa necessidade leva à criação de regras e procedimentos.  A isso chamamos administração.  Burocracia é quando as regras e procedimentos se tornam mais importantes que os objetivos que as criaram.  Rapidamente passamos da boa administração pra um sistema autofágico (que se alimenta de si mesmo).  Passo a existir para resolver os problemas que eu mesmo crio, sem compromisso em alcançar qualquer objetivo.  

Lembro-me de um oficial colega meu do IME que foi punido ao fazer uma petição porque a margem deixada no papel almaço (naquela época era assim) era de 2,5 cm e não 3 cm como previa o regulamento.  O assunto da petição nem foi lido – pura possessão burocrática.

Não entendo bem o processo em que se dá a possessão burocrática mas consigo identificar um possuído pela burocracia.  Vejamos algumas características.

Acha que está fazendo um grande favor ao que lhe traz alguma tarefa. Tarefa essa que frequentemente não foi iniciativa do solicitante e sim uma imposição.

Costuma ficar furioso quando alguém reclama das regras ou procedimentos que lhes parecem sem sentido ou simplesmente inúteis.  O possuído se sente pessoalmente ofendido e vê o reclamante como um inimigo anárquico ou revolucionário que quer acabar com a organização.

Perde a noção do ridículo em seus argumentos e petições e, frequentemente, se sente injustiçado e incompreendido.  Quando questionado, costuma dizer que trabalha muito e leva muito à sério o que faz.

Acha que não tem nenhuma obrigação de resolver o problema que, via de regra, foi criado por ele mesmo.  Na grande maioria das vezes, o problema se resolveria de forma extremamente simples mas isso não é problema do possuído, afinal. Para tanto, costuma usar expressões "não posso fazer nada" ou "a culpa é do sistema".

Passa a achar que se cumprir todas as regras (por vezes inventadas por ele mesmo) se torna eximido de qualquer responsabilidade a partir daí.  Não importa que os objetivos não sejam cumpridos.  

Não é incomum perceber que demonstra uma certa satisfação ao recusar algum procedimento ou impedir uma certa ação em prejuízo não apenas do solicitante mas de toda a organização.

Existe também a possessão burocrática institucionalizada.  Essa é a mais danosa de todas e, inexoravelmente, destrói a organização ao torná-la completamente improdutiva.  É como um câncer que transforma células sadias e produtivas em células malignas que apenas sugam a energia do corpo até matá-lo. 

Grande parte dos episódios já descritos nesse blog, e que ainda serão futuramente, envolvem a possessão burocrática.  Passei toda minha carreira profissional no combate a esse tipo de doença.  Algumas vezes logrei êxito pois os possuídos me evitavam ou trabalhavam sério quando eu os procurava.  Citando a Ministra do STF Cármen Lúcia:  Quero mudar o Brasil, não quero me mudar do Brasil.

Comentários

  1. Gosto muito dos títulos das publicações, mas essa foi genial. Estamos precisando de uma geração de exorcistas, pois essa de hoje está toda possuída.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

HOMEM DE CONFIANÇA

SABOTADOR

BARATO QUE SAI CARO