Vaga com Dono
Em 1983 eu já estava decepcionado com meu trabalho no IPD. Apesar de trabalhar em um projeto que tinha objetivos interessantes (embora mal definidos) e ter recursos financeiros, eu não via progresso. Parecia que estávamos vagando sem direção e nada de concreto acontecia. Eu já havia terminado o mestrado e começara o doutorado na COPPE/UFRJ. Decidi procurar outro emprego.
Comecei a olhar anúncios no
jornal (era assim que se procurava emprego na época) e achei um muito bom. Tratava-se de uma vaga para engenheiro eletrônico
no Instituto de Engenharia Nuclear.
Mandei meu currículo e marcaram um teste escrito.
Compareci no local e data
marcados e, para minha surpresa, havia mais de 50 candidatos presentes. A prova era grande e bem elaborada. Era essencialmente de eletrônica e exigia
conhecimentos de bancada.
No dia seguinte recebi um
telefonema do responsável pela vaga – vou chamá-lo de Garibaldo. Eu havia tirado o primeiro lugar e ele queria
marcar uma entrevista urgentemente. Evidentemente
fiquei muito contente mas estranhei o fato de que ele queria que eu o
encontrasse em sua própria casa. Para
minha sorte, Garibaldo morava perto de mim e pude ir a pé.
A entrevista foi bastante
informal e franca. Garibaldo me explicou
o tipo de trabalho que me esperava e estava completamente dentro do que eu
sabia e gostava de fazer. Já o salário
era praticamente igual ao que eu já recebia, ou seja, muito baixo. Mas eu estava tão descontente com o trabalho
no IPD que até aceitaria trocar pelo mesmo salário.
Expliquei isso ao Garibaldo e
a única coisa que pedi foi a oportunidade de continuar o doutorado. Eu estava fazendo os créditos e não haveria
problema de direcionar o assunto da tese para os interesses da instituição. Além do mais, a COPPE ficava no mesmo campos
do IEN. Isso facilitaria muito meu
deslocamento diminuindo meu tempo de ausência na organização.
Estranhamente Garibaldo negou
a permissão para que eu terminasse o doutorado, independentemente do
assunto. De fato, no decorrer da
conversa ele deixou claro que já tinha um candidato para a vaga e que este já
trabalhava lá como bolsista e que o processo de contração era uma imposição
legal.
Ou seja, a vaga já tinha
dono e eu, ao tirar o primeiro lugar, havia atrapalhado o esquema. Como justificar a contratação de alguém que
havia se classificado depois de mim? Só
se eu desistisse da vaga. Era isso que
ele queria que eu fizesse, ao negar qualquer tipo de regalia. Agora fazia sentido do porquê da entrevista ser na casa dele. Esse tipo de conversa deve ser feita às escondidas.
Quando percebi o que estava
acontecendo, imediatamente abri mão da vaga.
Certamente eu não era bem vindo ali.
Eu já tinha meus dissabores no IPD e queria solução para eles e não trocá-los
por novos dissabores.
Ao longo dos anos vi esse
fenômeno se repetir diversas vezes. A
administração pública cria regras (algumas absurdas) para contratação com o intuito de evitar o favorecimento que, na verdade,
atrapalha mais que ajuda. Isso porque o
favorecimento continua acontecendo em todos os setores. Já aqueles que querem realmente fazer um
trabalho sério, e se veem obrigados a seguir essas regras, não têm a liberdade de
escolher o time com que quer trabalhar. Você
é obrigado a trabalhar com "o que tem" e, via de regra, não dá certo.
Não tenho nem adjetivos para o Garibaldo.
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