A Porta do General

 Em 1981 comecei a trabalhar no projeto ATTMM no forte São João, na Urca.  A sede do IPD – Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento do Exército ficava em um prédio da época do Império.

Como todo prédio daquela época tinha paredes externas muito espessas (talvez 40 cm de espessura) e chão de madeira.  O edifício tinha 3 andares contando com o térreo.  O último andar era onde ficava a direção do instituto e uma grande sala de reuniões.

Em um certo dia, estava me dirigindo para a sala de reuniões e ao passar em frente da sala do General diretor notei que a parede não era de alvenaria e sim de um tipo de divisória que chamávamos de Eucatex.  Comentei em voz alta com a engenheira que me acompanhava: que curioso, todas as paredes são de alvenaria menos essa. 

Escutei uma voz atrás de mim que disse:  fui eu que fiz isso !!  Me voltei e vi um funcionário ajoelhado fazendo algum serviço de manutenção.  Então ele continuou contando sua lide.  Eu estava cansado de derrubar essa parede.  Toda vez que chegava um novo comandante, a primeira coisa que fazia era mandar mudar a porta de lugar.  Lá ia eu demolir a parede e fazer uma nova porta.  Então decidi demolir a parede inteira e colocar essa divisória ajustável.  Cada vez que chega um chefe novo, eu pergunto:  General onde quer a porta?  Então eu vou e coloco a porta facilmente.

Na época achei muita graça de tal descalabro.  Ridículo que o comandante de um instituto de pesquisa se preocupasse com a posição da porta de sua sala e a genial solução de um simples funcionário que pôs fim a essa recorrente piada.

Hoje, entretanto, vejo como um sintoma muito sério.  Entendo que todos nós gostaríamos de deixar nossa marca em tudo o que fazemos.  Em sendo um cargo de chefia isso se torna mais plausível devido ao poder decisório que o cargo aufere.  Então, não seria de estranhar que um comandante quisesse deixar sua marca de chefia na instituição.  Estranho é que que se dê importância a algo tão supérfluo e inútil quanto a posição da porta.  Se fosse simples incompetência pessoal não se repetiria constantemente. 

Percebi ao longo da minha carreira que, determinadas posições de chefia são apenas perfunctório, um verdadeiro faz de conta.  Vive-se aquele papel na certeza de que não fará diferença alguma estar ou não ali.  Nada mudará.  As verdadeiras decisões não são tomadas por você.  Você se encontra ali naquele cargo apenas para representar um papel e assinar papéis.  Não é à toa que se dê atenção para coisas inúteis e/ou insignificantes, já que para aquelas que seriam realmente relevantes nada se possa fazer.

Jamais aceitaria um cargo para qual não tivesse a autoridade para resolver os problemas a mim subordinados.  Exatamente hoje estou fazendo 42 anos de formado e uma coisa pude preservar para mim mesmo - a capacidade de dizer não.  Não tenho que aceitar aquilo que não concordo. Se essas forem as regras do jogo, prefiro não jogar.

Comentários

  1. Perfeito. Não consigo me imaginar trabalhando em um lugar onde não consigo resolver os problemas.

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