Souvenir mortal
Em 1979, pouco tempo depois que eu estava trabalhando no Campo de Provas da Marambaia, visitei sua estação de telemetria. Era um pequeno prédio que ficava dentro da mata típica da restinga e que distava uns 600 metros da praia.
Logo que adentrei ao prédio,
fomos recebidos pelo Tenente Tertuliano (nome fictício). Enquanto ele nos explicava as funções daquele
setor, notei sobre sua mesa algo inusitado – uma bala de canhão toda envernizada. Não era uma maquete, era uma bala verdadeira
e que já havia sido disparada pois havia diversos arranhões, cortes e marcas em
sua superfície. Talvez tivesse uns
quarenta centímetros de comprimento por 12 cm de diâmetro.
Não me contive e fiz um
comentário irônico: caramba, que peso de papel grande !! Acho que Tertuliano já esperava algum
comentário e passou a nos contar a história do seu souvenir.
Fazia algum tempo (não lembro
quanto tempo foi) Tertuliano estava sentado em sua mesa ali mesmo no prédio da
telemetria. A Marambaia testa a munição
de nossas Forças Armadas e, naquele dia, a Marinha estava fazendo testes em
seus canhões. Isso não era nenhuma
novidade e ele já estava acostumado com os estampidos dos canhões que atiravam
para o mar.
De repente, Tertuliano começa
a ouvir um assovio bem agudo que foi mudando de tom e aumentando de volume. Então, uma onda de choque sacudiu o prédio,
feito de concreto, seguido de um grande ruído de impacto. Ele ficou aturdido sem saber exatamente o que
estava acontecendo e correu para a porta e pode se deparar com uma enorme cratera
feita na areia.
Passados alguns minutos, veio
uma viatura da Marinha verificar o que havia acontecido. Dele desceu uma engenheira bem jovem, pálida,
perguntando se estava tudo bem e se alguém havia se ferido.
Para entender o que aconteceu
é preciso saber que a munição de um canhão naval tem sua quantidade de pólvora
colocada na hora do disparo (como forma de controlar a distância do tiro). Eles estavam fazendo testes com o canhão e puseram
apenas um pouco de pólvora para avaliar seu acionamento e esse falhou. Para verificar o que havia ocorrido, viraram o
canhão pra terra e nesse momento houve um disparo intempestivo.
Segundo Tertuliano, pela
posição do canhão e da cratera a bala passou a 2 metros da parede do
prédio. Como estava com pouca energia,
não houve nenhum dano. Em um caso
normal, a onda de choque seria suficiente para derrubar o prédio. Depois que tudo se acalmou, Tertuliano se deu
ao trabalho de cavar a cratera até encontrar a bala. Ele a aguardou como lembrança daquele dia,
que poderia ter sido seu último.
Ouvi muitas vezes o pessoal de
segurança falar: acidentes não acontecem são causados. Esse foi um caso típico. Uma enorme falha de procedimento. O que justificaria virar o canhão para terra? Em qualquer estande de tiro se é ensinado e
exigido que jamais se volte a arma para dentro do estande, estando carregada ou
não.
Não sei se foi inexperiência da
jovem engenheira. Mas, certamente, falha
de toda a equipe que permitiu um procedimento desastrado. Talvez aquele pensamento idiota: nunca aconteceu nada... Até que acontece.
Que loucura virar um canhão carregado em direção a terra! Será que o Alan Deloko faria o mesmo?! kkk
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