70% honesto

 Em 1984 o CTEx estava se organizando para ter um contingente civil de pesquisadores.  Até então, os civis de nível superior eram todos contratos pelos projetos (era o meu caso) e não pela instituição.

Fui convidado para fazer parte de um grupo que deveria propor um plano de carreira para os pesquisadores.  Esse plano incluía os níveis de carreira com seus respectivos requisitos bem como os critérios de acesso e promoção.  Durante algumas semanas nos reunimos para essa discussão.  Só havia 2 civis nesse grupo, todos os demais eram militares.

A definição dos cargos ocorreu sem problemas.  Já com os critérios de promoção e acesso aos níveis de carreira, algumas discussões estranhas começaram a acontecer.

As promoções ocorreriam baseados em uma pontuação que, por sua vez, seria oriunda de notas aplicadas a determinados requisitos que cada funcionário deveria ter, durante o período da avaliação.

Foi aí que alguém listou honestidade entre os requisitos que deveriam receber nota.  Imediatamente protestei.  Como assim ?  Honestidade não deveria ser um pré-requisito obrigatório a todos ?   Seria possível dizer que alguém fora 70% honesto durante o período de avaliação ?  A meu ver esse seria um critério binário – ou é ou não é.  Tipo ficar grávida – está ou não está.

Falei que esse deveria ser critério para demissão (falta de honestidade) e não para promoção.  Tentaram me convencer que, na verdade, se tratava da sinceridade com que os profissionais se comportavam, se costumavam mentir etc.

Não me convenci e briguei para que focássemos nos méritos.  Começou-se então a discutir como seria a avaliação de méritos.  Até que alguém disse: isso tudo é uma bobagem, a hora que o general quiser promover alguém em passará por cima de tudo isso.

Foi a deixa que eu esperava.  Demonstrei minha insatisfação de estar ali perdendo tempo com algo que discordava e que, ainda por cima, não serviria para nada.  Pedi licença e me retirei da reunião.  Nunca vi o resultado disso pois saí do CTEx antes que o tal plano de carreira fosse implantado.

Hoje, olhando para trás, consigo ver quão amador era tudo aquilo.  Existem profissionais especializados nessa área de recursos humanos que lidam especificamente com plano de carreira.  Porque não chamá-los ?   Porque havia uma soberba inerente no comportamento daquelas pessoas que achavam que podiam discutir com propriedade qualquer assunto.

Havia também uma visão de que se podia utilizar os critérios usados para os militares também para os civis.  Isso é um erro crasso que, de certa forma, ainda acontece hoje.  A carreira de pesquisa é completamente diferente da carreira militar e não pode ser avaliada com os mesmos critérios.  Seria equivalente a dar notas a uma ginasta olímpica com critérios de uma bailarina, ou de um boxer com critérios do judô.

Esse conflito acontece nas instituições militares de pesquisa onde os próprio militares são  pesquisadores.  Trabalham como pesquisadores mas são avaliados como militares.  Como não é possível ser 70% militar e 30% pesquisador (ou vice-versa) .  Acaba que não se é nem uma coisa nem outra. 

Comentários

  1. Bom dia Doutor Waldemar?
    Eu me chamo Victor.
    Sou técnico em mecânica, graduando em engenharia mecânica e servidor público federal e entendo o que o senhor fala sobre burocracia ou burrocracia de nossa legislação vigente.
    Sendo assim, porque o senhor não entra em contato com o ministro Marcos Pontes, para que o mesmo peça uma audiência com a comissão de ciência e tecnologia das duas casas legislativas para resolver esta questão?
    E a outra idéia seria mesmo incentivar a criação de empresas ou startups do setor espacial nacionais absorvendo mão-de-obra do ITA, DCTA, IAE, etc, principalmente para o desenvolvimento de veículos lançadores, já que o acordo de salvaguardas tecnológicas foi aprovado no congresso nacional?
    E a maneira mais eficiente de alcançarmos nossa tão sonhada independência tecnológica nesta área.
    Pense nisto.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Vitor agradeço sua mensagem e sugestão. Pelo jeito você é ainda jovem para perceber a dinâmica do poder. As coisas estão do jeito que estão porque agrada muita gente. Mudar isso não virá de uma conversa com qualquer ministro mas como fruto de uma necessidade. O país precisa sentir que precisa mudar pois do jeito que está estamos indo ladeira a baixo. Estou pronto a colaborar com o que puder. É só me chamar...

      Excluir
  2. Um bom líder ou chefe não é aquele que se presta a resolver todos os problemas, mas sim aquele que sabe escolher as melhores pessoas para resolver o problema da melhor maneira possível.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

HOMEM DE CONFIANÇA

SABOTADOR

BARATO QUE SAI CARO