Quermesses

 Em 1981 fui agraciado, por um colega de turma, com o convite para dar um curso de treinamento na Embratel.  Naquela época, os computadores estavam saindo dos institutos de pesquisa e universidades e indo para as empresas.  Então, a Embratel queria dar uma visão aos seus funcionários do que seria um computador e como ele poderia ajudar nos trabalhos da empresa.

Para mim foi uma excelente experiência.  Até hoje guardo a apostila que preparei para o curso – Introdução aos Computadores.  O curso foi muito puxado - 7 horas de aula por dia durante 10 dias consecutivos.

Todos os meus alunos eram engenheiros mais velhos do que eu, com muitos anos de casa. Eu estava bem orgulhoso com o que estava fazendo e, também, onde estava fazendo. 

O prédio ficava na Av. Presidente Vargas, no coração do Rio de Janeiro.  Tinha uma linda fachada prateada com uma entrada chique e funcionários uniformizados que controlavam a entrada e saída do prédio.  O andar onde eu ministrava as aulas era acarpetado e com ar-condicionado central.  Para a época eu me sentia no ápice.

Durante o intervalo da aula, eu estava conversando com um dos alunos e externei minha satisfação com o luxo das instalações e disse: não imaginava que esse prédio fosse tão chique. A Embratel se trata muito bem.

Fui surpreendido com a réplica do tal aluno (Engenheiro antigo da empresa): esse prédio não é da Embratel!  Esse prédio pertence aos funcionários da Embratel.  Através do fundo de pensão dos funcionários da Embratel nós construímos o prédio e alugamos para a Embratel!

Eu era bastante jovem, tinha apenas 3 anos de formado, e não conhecia as maracutaias estatais.  Então eu disse que não sabia do que se tratava e pedi que me explicasse melhor.  Ele me contou então que o tal fundo de pensão era composto de contribuições onde 50% saía do salário dos funcionários e outros 50% pago pela própria Embratel.  Ou seja, a Embratel doava metade do patrimônio do tal fundo de pensão que pertencia aos funcionários e ainda pagava aluguel do prédio que havia sido construído com 50% da própria empresa.

Fiquei indignado com a história mas consegui esconder meu descontentamento montando uma ilustração sobre isso.  Eu disse: isso me lembra as quermesses de cidade do interior.  Você compra os ingredientes, faz o bolo, doa para a igreja e, durante a festa, você compra o bolo que você mesmo fez!

Acontece que no caso das quermesses você doa voluntariamente seu dinheiro e esforço pessoal em prol de uma causa (a igreja).  Já no caso do prédio de outro dono quem pagou por ele fomos todos nós, através de nossos impostos, sem ao menos saber do que se tratava.

Uma frase atribuída ao geógrafo brasileiro Milton Santos “A classe média não quer direitos, ela quer privilégios, custe os direitos de quem custar” define bem a situação.  Aquele indivíduo estava me contando um absurdo com a maior tranquilidade e se fosse contestado certamente ficaria indignado, achando perfeitamente correta a tal situação.

Quando vejo hoje discursos políticos dizendo que as estatais são patrimônio do Brasil eu me lembro do prédio alugado para a própria empresa que o construiu.  As estatais são patrimônio de seus funcionários, produzam eles alguma coisa ou não.  Até quando iremos continuar comprando o bolo que nós mesmos fizemos ???

Comentários

  1. O pior que essas pessoas estão aos montes espalhadas nas instituições publicas e agem como se isso fosse normal e até mesmo uma obrigação do governo. Estamos vivendo uma época onde os valores estão completamente invertidos.

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