ÚLTIMA VERSÃO

 Em 1980, enquanto fazia as cadeiras do mestrado no IME, era comum encontrar professores e alunos portando debaixo do braço caixas com cartões perfurados – era assim que se fazia programação em computador naquela época.  Era um tipo de status intelectual portar uma caixa daquelas, mesmo que os cartões estivessem em branco.

Mais problemático do que carregar as caixas de cartões era organizar os resultados advindos dos programas.  Vinham todos em forma de uma grande pilha de papel contínuo (normalmente de 132 colunas) com praticamente 40cm de largura por 28cm de altura.  Cada rodada do programa, produzia uma pilha dessas, que costumávamos chamar de “listagem”.  Portanto, era comum ver em cima das mesas essas pilhas de “listagens”.

Num certo dia, ao visitar a sala de um colega de mestrado, vi a tal pilha em cima de sua mesa e uma coisa me chamou a atenção.  Ele havia escrito, com caneta, em letras grandes, na listagem que estava por cima: última versão.  A curiosidade me moveu a pegar aquela listagem da tal última versão.  Embaixo daquela listagem havia outra e estava escrito a mesma coisa – última versão – as demais também.

Não pude conter o riso diante de tal idiotice.  Se ele estava querendo uma maneira fácil de identificar a versão do programa, chamar a cada um com o mesmo nome só criaria a maior confusão.  Qual seria, de fato, a última versão da última versão ?  Ainda bem que as listagens traziam impresso no cabeçalho a data e hora da impressão.

30 anos depois, dando curso de Simulação no INPE, eu lembrei desse episódio ao ensinar como organizar não apenas as versões de um programa mas, principalmente, seus resultados (que costumam ser centenas). 

Isso me fez pensar mais profundamente no assunto.  O que seria a última versão de um programa? No caso do meu amigo seria a versão mais recente.  Se fosse porque o trabalho havia sido concluído, talvez devesse se chamar versão final (certamente ele não conhecia nenhum critério de arquivologia).

A última versão é aquela que aperfeiçoa as versões anteriores, corrigindo seus defeitos e acrescentando novas idéias.  Sobre essa ótica, cada versão mais recente é, de fato, a última versão.  Poder-se-á ter inúmeras últimas versões até a versão final. 

Podemos pensar nossas vidas como um processo semelhante.  Sem preocupação com rótulos, deveríamos estar sempre reescrevendo nosso "programa" em contínuo aperfeiçoamento.  O próprio tempo se encarrega de organizar as "listagens".  Assim, concluí que sou a última versão de mim mesmo.

Comentários

  1. Hahaha meus programas vivem cheios de “versão final”...
    E tbm tem
    “versao_final_agora_vai”, “versao_final_agora_vai2,
    “versao_final_agora_vai3”,
    “versao_final_agora_vai_pqp”.... 😂😂

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  2. Isso é uma forma de dar esperança, e digo mais, este deve ter sido o primeiro motivo para adicionar informação de data e hora nos arquivos.
    Certamente no Eniac, houve algum problema que não foi corrigido apenas olhando a última data de modificação.

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