INCOERÊNCIA
Até o final da década de 80 as contratações para trabalhar no IAE eram feitas diretamente no próprio IAE no regime C.L.T. O plano de carreira (muito bem feito por sinal) definia as funções de cada cargo. Eu havia sido contratado como Pesquisador Assistente. O nível inicial era Pesquisador Auxiliar.
Aconteceu que um determinado engenheiro (que chamarei de Perseu) se
interessou em trabalhar no IAE. Fez uma
entrevista técnica e foi encaminhado para contratação. Quando ele ficou sabendo qual seria o
salário, questionou que o valor estava abaixo do salário mínimo de engenheiro
previsto pelo CREA. A resposta foi que
ele não estaria sendo contratado como engenheiro e sim como pesquisador (que
incluía também físicos, matemáticos entre outros). Perseu não gostou muito mas pareceu uma
resposta razoável e ele continuou o processo.
Então lhe passaram a lista de documentos que ele deveria apresentar para
ser contratado. Para sua surpresa, um
dos documentos solicitados era o CREA. Então
ele obviamente argumentou o porquê da exigência do CREA se acabara de saber que
não estava sendo contratado como engenheiro.
A resposta seguiu a mesma chantagem que ouvi durante décadas – se não
entregasse (ou seja, obedecer a uma exigência descabida) não podia ser contratado.
Diante da completa incoerência, Perseu educadamente agradeceu, se
levantou e foi embora. Deixando a
secretária estupefata que alguém tivesse a coragem de dizer não. Na cabeça dela, não havia nada de errado em
cobrar uma conduta para a qual a própria organização não cumpria. Entretanto, Perseu percebeu que se uma
organização já começa com regras incoerentes, não pode ser séria. Preferiu procurar trabalho em outro lugar.
Ao longo da minha carreira, confrontei dezenas de casos
semelhantes. Regras incoerentes que normalmente
são inventadas por burocratas que não se importam com as consequências nefastas
que tais exigências trazem – desgaste emocional; perda de tempo; descrédito
para com a instituição etc. Você é então
chantageado. Se não as cumprir lhe será negado alguma coisa que estava solicitando – mesmo que seja de interesse direto da
instituição.
Quando digo confrontei significa que reclamei formalmente seja por
escrito seja falando diretamente com os chefes dos setores de onde emanaram as
regras idiotas. Via de regra, os chefes
tiveram uma atitude leniente com a situação ou disseram que não podiam fazer
nada (o que certamente não era verdade) e a burocracia continua nos fazendo de idiotas.
Hoje valorizo muito a atitude de Perseu.
Teve coragem moral de dizer não para aquilo que discordava. Estava precisando do emprego mas sua escala
de valores era mais importante. Não
tenho notícias do que lhe sucedeu mas deve ter tido uma carreira abençoada pois
suas convicções estavam acima das necessidades momentâneas.
Mentalidade de minhocas, atrasam o país, achando que só cumpriram o figurino. A experiência me mostra que essa cambada ainda não desencarnou. Os que querem criar têm que ser que nem o Jim das selvas, desbravando a selva de pedra.
ResponderExcluirGustavo você ilustrou bem com o Jim das Selvas (mostra que vc tem idade parecida com a minha) . Eu me julgava exatamente assim, atravessando a selva com apenas um facão nas mãos. Era visto como um estranho no ninho, ao não aceitar essa obstrução de idiotices.
ExcluirO interessante é que o governo pode abrir concurso para engenheiro pagando salário mínimo, exigir CREA, mas não pode ser fiscalizado pelo próprio CREA.
ResponderExcluirDependendo da ocasião eu ofereço dois orçamentos, o de engenheiro e o "resultado".
O engenheiro vai com memorial, ART e documentação.
O "resultado" vai escrito em um guardanapo.
Mas não cobro como engenheiro e entrego "resultado" e nem entrego como engenheiro e cobro "resultado".