COM PRESSA

 Para quem não sabe, preparar uma campanha de lançamento dá muito trabalho e exige um planejamento prévio meticuloso.  Não se trata apenas de comprar as passagens aéreas dos participantes nem aprovisionar os recursos para diárias.  Há necessidade de interdição de espaço aéreo e naval.  Transporte de material sensível bem como todo o plano de ação e segurança.  Isso significa que datas precisam ser respeitadas, caso contrário tudo se perde.

Em 1987 estávamos nos preparando para o lançamento do terceiro protótipo do SONDA IV.  Uma atividade essencial era a simulação “hardware in the loop” do sistema de controle, que envolvia o uso de uma mesa rotativa de 3 graus de liberdade.  Essa atividade estava no caminho crítico para o lançamento.

Faltava uns 3 meses pra o lançamento quando essa mesa apresentou uma pane.  Nosso técnico, bem treinado e competente, identificou imediatamente o defeito.  Era um módulo regulador de tensão.  Simples de trocar, bastaria apenas ter a peça.  Entramos em contato com a Contraves, produtora da mesa, que nos informou que a peça custava em torno de 70 dólares e que se propunham a nos fornecer gratuitamente.  Eles, então, encaminharam a peça para um escritório da Aeronáutica que ficava em Washington para que fosse formalmente remetida ao Brasil.

Ficamos bastante contentes com toda a presteza da empresa pois era uma necessidade urgente.  Nosso vice-diretor entrou em contato com a tal comissão para apressar o processo de envio da peça (menor que um maço de cigarro).  Depois de algumas ligações sem sucesso, o próprio diretor da comissão ligou para o diretor do IAE.  Não para dar satisfações mas para reclamar que estávamos atrapalhando o serviço deles.  Nosso diretor então explicou o motivo da urgência e recebeu a promessa de que o módulo embarcaria no avião da FAB, que sairia na próxima quinta-feira e que não incomodássemos mais.

Na segunda-feira seguinte, como não tínhamos notícias da chegada do módulo, ligamos para a comissão novamente.  A resposta foi fantástica.  O módulo havia perdido o voo !!!  Mais ainda – “como vocês estão com pressa, despachamos o módulo em um navio rumo ao Brasil”.

Quando recebemos essa notícia, imediatamente procuramos uma alternativa – fomos até o INPE que tinha uma mesa do mesmo fabricante e pedimos emprestado toda a fonte de alimentação (que era padronizada).  O Dr. Paulo Milani (hoje falecido) nos atendeu com a presteza necessária.  Assim, o serviço foi realizado e o lançamento foi feito na data planejada.

Para ser mais cruel ainda, quando o tal módulo chegou o porto de Santos estava em greve.  Para encurtar a tragicomédia, quando o módulo chegou na IAE o foguete já havia voado fazia mais de 6 meses.

O episódio é auto explicativo.  Setores burocráticos que perderam ou talvez nunca tiveram a noção dos objetivos para os quais existem, quando requisitados, reclamam.  Nesse caso, mais do que uma reclamação houve um verdadeiro escárnio às nossas atividades e retaliação absurda.  Como o módulo perdeu o avião?  Mesmo que um atraso administrativo tivesse causado a perda daquele voo, poderia ter embarcado no próximo voo, que era semanal.  Em vez disso, “cumpriram sua obrigação” embarcando num navio, já que estávamos com pressa.

O que será que se passa na cabeça de pessoas que tomam atitudes como essa?  Não se importam em prejudicar o esforço de centenas de pessoas que estavam trabalhando para desenvolver uma tecnologia tão sensível como a espacial? Onde fica os interesses do país ?

Comentários

  1. Pelo exposto acima isso é terra de ninguém! Em sã consciência em uma empresa privada jamais aconteceria tal disparate!

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    1. Concordo plenamente. É por isso que hoje defendo que o Programa Espacial deva estar totalmente na iniciativa privada

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  2. Prof. Waldemar, sou um pesquisador e um sonhador com o desenvolvimento aeroespacial brasileiro. Ja li todas as sua publicações e fico muito triste com essas histórias. Espero que já tenhamos melhorado em alguns aspectos (por favor, diga que sim rs rs rs). Hoje tenho a felicidade de trabalhar com uma mesa como a relatada, no ITA, e de poder fazer tais simulações em HIL. Tenho o sonho de poder participar de algum evento desse no futuro!

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    1. Olá Adalberto. Você precisa entender que o país mudou muito desde o início do programa espacial. A legislação é outra e a mentalidade de trabalho também. O objetivo do blog é alertar a nação a não continuar nesse caminho pois ele só nos conduzirá ao fracasso. Tenho notado sim ventos de mudança na direção correta. Hoje defendo a idéia de ter o programa espacial todo na iniciativa privada. Sobre simulação HWIL tenho mais de 10 trabalhos publicados à respeito, se tiver interesse posso lhe mandar.

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    2. Que bom saber disso!!!! Tenho interesse sim, onde posso baixá-los? Ou se preferir, meu e-mail é o adalbertotjr@yahoo.com.br

      Muito obrigado!!!!

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