LIDANDO COM A BUROCRACIA

 Quando assumi a chefia da sub-divisão de controle em setembro de 1987, eu tinha em mente ser um chefe exemplar.  Imaginava eu que faria tudo certinho e, como consequência, tudo sairia conforme o planejado.  Estava disposto a dar o melhor de mim para planejar tudo conforme o figurino, atender a todas as demandas e ter um desempenho técnico do mais alto nível.

Acho que, inconscientemente, eu considerava que os outros chefes não faziam isso ou talvez nem tivessem tentado.  Mas eu estava errado, muito errado.  Se outros chefes não levavam a sério determinados procedimentos é que eles aprenderam que não eram dignos de serem levados a sério mesmo.  Haviam aprendido que planejar apenas significava um desejo.  Um preencher de papelada sem uma relação direta com o que realmente iria acontecer.  Eu ia levar algum tempo para perceber isso.

Já no primeiro ano, gastei um bom tempo preenchendo o planejamento financeiro e de treinamento para minha equipe para os próximos 3 anos.  Eu sabia que estava apresentando uma proposta.  Mas imaginava que se a minha proposta era aceita (ou pelo menos não era contestada) ela seria implementada.  Para minha surpresa, ela servia apenas como uma estatística daquilo que o instituto considerava uma proposta institucional a ser encaminhada para os órgãos superiores, que provavelmente procediam da mesma maneira.

A partir daí passei a questionar formalmente (verbalmente em reuniões ou por escrito) todas as vezes que recebia uma demanda que julgava improcedente.  Evidentemente isso gerou uma série de conflitos e situações desagradáveis, mas não mudei de atitude nos 27 anos que se seguiram.  Se algo devia ser feito merecia ser bem feito.  Eu não iria gastar minha energia nem a de meus comandados para fazer um trabalho que eu julgasse inútil.  Também passei a cobrar dos setores administrativos que agissem de acordo com o que estava escrito.  É claro que o embate foi inevitável.  Como exemplo para esse post vou contar um dos inúmeros embates. 

Me foi solicitado que fizesse a previsão de quantos computadores PC eu iria precisar no ano seguinte.  Fiz um levantamento cuidadoso, pois a especificação detalhada de cada máquina deveria ser preenchida em uma folha modelo individual.  No ano seguinte, nada aconteceu.  Não recebi nenhuma máquina, embora o instituto tivesse adquirido várias.  Como certamente havia uma prioridade não questionei.  Até que no final do ano encontrei-me por acaso, na fila do banco, com o responsável pelo setor de informática.  Então aconteceu o seguinte diálogo.

Ele:  Waldemar você já preparou o pedido de computadores do ano que vem ?  

Eu:  Não.  Você ainda não atendeu ao pedido desse ano.

Ele:  Ah, mas isso foi esse ano, o ano que vem é outra coisa.  Tem que pedir tudo novamente.

Eu:  Sem problemas, tire xerox dos pedidos desse ano e atenda-os o ano vem.  São os mesmos.

Ele (já claramente irritado):  Mas não é assim que as coisas funcionam.

Na verdade ele apenas queria obrigar que as pessoas a se subordinarem a um trabalho burocrático inútil e sem nenhuma garantia de sucesso.  No dia seguinte ele encaminhou para a divisão um novo modelo de compra de computadores para ser preenchido, com as mesmas informações mas com formato diferente.  O objetivo era óbvio - evitar que se copiasse os pedidos do ano anterior.

Procurei o meu chefe, contei o que havia acontecido e avisei que me recusava a preencher um novo papel com o mesmo conteúdo.  Para evitar o confronto com o setor de informática, o próprio chefe da divisão preencheu o meu pedido e encaminhou – que no ano seguinte, também não foi atendido.

Lutei contra esse tipo de atitude a vida inteira e não acho que tenha errado ou exagerado.  Pelo contrário, talvez devesse ter sido ainda mais contundente.  Não se pode construir uma tecnologia de ponta desperdiçando tempo com mesquinharias burocráticas de pessoas medíocres que se utilizam de seus cargos para se sentirem importantes pelas exigências que fazem e não pelos frutos que produzem.

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