APRENDENDO COM QUEM SABE
Minha primeira viagem ao exterior pelo IAE ocorreu nas duas primeiras semanas de novembro de 1986. Fiz parte de uma equipe que foi ao CNES (Centre National d’Études Spatiales) que fica em uma cidade satélite de Paris chamada Évry. Fazia parte de um acordo de cooperação com o governo Francês que, na época, dava apoio ao nosso programa espacial.
Era uma equipe grande de 10 pessoas que continha todo o grupo de
controle (4 engenheiros) e outros especialistas em diversas áreas. A equipe era liderada pelo próprio Eng.
Boscov, o gerente do desenvolvimento dos foguetes do IAE.
O trabalho foi muito produtivo.
Nos reuníamos em grupos de interesse e éramos orientados pelos
engenheiros do CNES. No caso do controle,
nos reuníamos com um jovem, que carinhosamente batizamos de Monsieur Gambô
(devido ao fato de que ele não trocava de roupa durante a semana e as consequências
eram olfativas). O que me chamou
imediatamente a atenção foi que Gambô tinha apenas 2 anos de formado e estava
orientando uma equipe que continha 3 mestres (eu não havia terminado o
doutorado mas já tinha 8 anos de formado).
Poder-se-ia achar que isso fosse uma desconsideração do CNES para
conosco, mas não era. Gambô simplesmente
tinha em mãos um script de passos que um projeto de um lançador deve passar e
ia nos perguntando se já havíamos trilhado cada passo. Como a resposta era não, ele nos dizia o que
deveria ser feito de maneira bem sucinta.
Não foi ele quem escreveu aquele documento. Não haveria tempo (nem para um gênio)
absorver tanto conhecimento em apenas 2 anos.
Ele era parte de um processo muito bem organizado de conhecimento
cumulativo e bem documentado. Portanto,
fácil de ser transferido.
Estávamos no caminho certo, aprendendo com quem sabe. Na volta ao Brasil peguei as equações que ele
havia nos mostrado e deduzi todas elas (Gambô nunca disse de onde elas vieram –
talvez ele nem soubesse) e escrevi vários textos sobre esses assuntos.
Durante meu tempo no IPD/CTEx eu havia feito 2 cursos. Um com um especialista inglês em controle de
mísseis chamado Peter Garnell (tenho o livro dele até hoje). Outro, no IPqM, sobre sistemas de Navegação
Inercial dado por uma empresa americana chamada MILCO (acho que não existe
mais). Aqueles cursos tinham um viés
completamente acadêmico e não me ajudaram a compreender, de fato, os problemas
que eu deveria resolver. Mas pelo menos
a documentação ajudou quando eu comecei a entender.
Já aquele treinamento no CNES foi um salto de conhecimento tecnológico. Estando envolvido em um projeto real (não um
mero exercício acadêmico) e sendo orientado por quem sabe, o progresso é rápido e bem alicerçado.
Interessante é que esse apoio técnico, fazendo parte de um acordo entre
governos, não era remunerado.
Entretanto, seu sucesso indubitavelmente estava ligado à amizade que o
Engenheiro Boscov tinha com os franceses, pois havia trabalhado lá por 10 anos.
Quase 10 anos depois quando recebemos apoio russo, o esquema foi muito
diferente. Além de pago, tínhamos que
nos esforçar para aprender alguma coisa.
Embora soubessem muito, eles não nos ensinariam nada que não fosse
solicitado. Tipo: eu não falei porque você não perguntou... Isso nos obrigava a estarmos muito bem
preparados para extrair o máximo de conhecimento. Em outras palavras, se fôssemos principiantes
como na missão ao CNES, continuaríamos na ignorância. Eles não nos apontariam o caminho.
Acho muito interessante como os franceses são disponíveis para compartilhar conhecimento aeroespacial.
ResponderExcluirÉ um comportamento relativamente comum na Europa, deve ser pela necessidade de integração entre os países.
Grande verdade, devemos aprender com quem sabe, para podermos modelar. Nem sempre é preciso reinventar a roda, basta aperfeiçoar.
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