EQUAÇÕES INÚTEIS

 Em 1988 estávamos preparando a missão do Sonda IV – V04.  O pessoal da dinâmica de voo solicitou um estudo se seria possível usar as medidas de velocidade angular para estimar a atitude do último estágio após sua indução de rotação (spin-up).  Visavam com isso a possibilidade de fazer o mesmo no VLS.

Teoricamente isso seria possível, mas na prática não.  Isso porque o spin levaria a rotação em mais de 1000°/s e o batente do sensor (na perpendicular) era 20°/s.  Mesmo um pequeno desalinhamento entre o eixo de rotação e o eixo do sensor saturaria a medida de forma a não ser mais viável seu uso.

Houve então reunião onde apresentei o resultado do estudo.  Nessa reunião estava presente o engenheiro Kruger (no fictício em homenagem à síndrome Dunning-Kruger).  Fazendo jus ao nome, Kruger ocupava um cargo mal definido.  Não era chefe de nada mas queria mandar.  Sua ignorância só perdia para sua obstinação.

Durante a apresentação, Kruger, com sua usual agressividade, disse que a proposta era perfeitamente viável e que meu estudo estava errado.  Com muita paciência fui até um quadro-branco e escrevi as equações do movimento bem como sua solução, mostrando o que o sensor veria.  Kruger exclamou: você pode escrever a equação que quiser! continuo dizendo que você está errado!  Diante de tal espasmo de estupidez respondi:  se eu não acreditar nas equações é melhor rasgar o meu diploma!

Percebendo que a discussão não levaria a nada, propus sua interrupção para que eu fosse ao laboratório e montasse uma demonstração física do que eu estava dizendo – já que Kruger não acreditava nas equações do movimento, preferia o seu achismo sem qualquer fundamento técnico.

Fui para o laboratório, coloquei o sensor em uma mesa rotativa de 3 graus de liberdade e fiz girar o eixo principal a 1000°/s.  Coloquei um osciloscópio na saída do sensor e a figura, inequivocamente, mostrava o que as equações inúteis preconizavam.  Chamei o chefe da divisão juntamente com Kruger e mostrei o resultado.

A resposta de Kruger foi enigmática: “você não entendeu o que eu estava querendo dizer”.  Na verdade, todos ali entenderam muito bem o que estava acontecendo.  Kruger não queria admitir que havia não apenas tomado uma posição equivocada mas também havia dito um monte de idiotices.

Ficou por isso mesmo naquele momento.  Kruger se tornou meu maior inimigo profissional.  Ele me perseguiu por mais de 10 anos e muitos outros embates aconteceram (alguns traiçoeiros).  Em todos mostrei que estava agindo corretamente.

Passados mais de 30 anos desse episódio, fico pensando porque gente como Kruger continuava atazanando aqueles que ousavam ir contra suas posições equivocadas - puro achismo (não foi só comigo).  Teve gente que deixou o instituto por causa dele.  Sua ignorância técnica era palpável.  A incapacidade institucional de não conseguir se livrar de gente assim só aumenta sua entropia.  Causa um enorme desgaste pessoal para que quer trabalhar seriamente.

Cheguei  a ouvir de um colega: precisamos aprender a trabalhar com o material que temos.  Discordo dessa postura.  Trabalhar com pessoas assim é parecido com enxugar gelo - inútil e sem fim. Os maiores desafios que encontrei em minha carreira não foram técnicos mas foram de relacionamento com pessoas como Kruger e outros que ainda serão descritos.  

Comentários

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Embora algumas empresas tentem mudar o mindset, para que relações profissionais mais saudáveis ocorram, ainda há esse tipo de gente, donos da verdade, em todos os cantos... E adivinha? Tenho tolerância zero... fui bem educada! Rs

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  3. Eu estava quase me gabando por não ter convivido com este tipo, mas acabei de lembrar que houve sim, apenas não fui sensível o suficiente para ser afetado.
    Infelizmente outros colegas não foram tão alheios quanto eu.

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  4. Lendo sobre a tal síndrome de Donning-Kruger, traduzindo no popular: é o abestado que põe tudo a perder, para não perder a pose.

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