MILAGRE – parte 1
Esse, sem dúvida, é o episódio mais dramático de minha carreira e foi resolvido com um verdadeiro milagre. Como é um tanto logo descrevê-lo, será divido em 2 posts.
Em 1986 havíamos feito uma viagem ao CNES (vide post “aprendendo com
quem sabe”) para receber orientação sobre o projeto VLS. Estava previsto (eu não sabia disso) uma
revisão preliminar do projeto para 2 anos depois no IAE. O que de fato aconteceu em setembro de 1988.
Acontece que, naquele período, todo o grupo de controle estava envolvido
nos lançamentos dos protótipos 03 (novembro de 1987) e 04 (previsto para 1988
mas lançado em março de 1989) do SONDA IV.
Não havia a mínima condição de pegarmos nos estudos de projeto do VLS.
Quando a equipe do CNES chegou, nem eu nem ninguém da minha equipe
participou das reuniões da tal revisão preliminar. O gerente do VLS designou nada menos que
Kruger, para representar as redes elétricas e o controle.
Como fiquei sabendo nas semanas seguintes, a tal revisão foi um fiasco
no que dizia respeito às redes elétricas e controle e que Kruger foi rispidamente
questionado do porquê não ter apresentado nada que justificasse a presença da
equipe francesa no Brasil. Essa
humilhação deixou Kruger muito irado e, é claro, tinha que colocar a culpa em
alguém – no caso eu.
Tivemos então uma reunião na minha sala onde ele me acusou, de forma
extremamente agressiva e grosseira (com palavrões), de estar sabotando o
trabalho dele. Respondi (bastante tenso
mas com calma) que o sistema de controle não era responsabilidade dele e sim minha
e da minha equipe. Que o trabalho não
havia sido feito porque não tivemos tempo para fazê-lo. Durante a reunião fui anotando todas as
acusações que ele me fazia. Após sua
saída da minha sala, preparei uma parte para o meu chefe, o engenheiro Calderaro
(nome fictício), descrevendo o ocorrido e me defendendo de todas as acusações
feitas.
Na semana seguinte houve uma reunião com os 3: eu, Kruger e
Calderaro. Nessa reunião Kruger reiterou
suas acusações (agora de forma mais educada) as quais rebati agora com mais
energia. Disse que ele não era meu chefe
e que se quisesse solicitar alguma coisa deveria seguir a hierarquia. Ele disse que eu o estava fazendo de menino
de recados. Repliquei que não era nada
disso e que ele deveria ter mais respeito pela minha pessoa e como
profissional. Ficou acertado que, a
partir daquela semana, haveria reuniões semanais com Kruger para que ele
acompanhasse os estudos do VLS.
Na primeira reunião (havia outros engenheiros) apresentei um plano de
trabalho para que pudéssemos levar as atividades do SONDA IV e do VLS concomitantemente
e foi bem aceito. Na semana seguinte eu
viajei para os Estados Unidos (viagem programada com meses de antecedência)
para visitar 2 grandes empresas que faziam os foguetes para a NASA e a
Contraves que fazia mesas rotativas de precisão.
Não consegui dormir direito durante a viagem e já começava a sentir os
efeitos do stress. Na primeira reunião
após meu retorno, fui recebido com toda a grosseria por Kruger dizendo que nada
havia sido feito (claro eu estava em outro país).
Comecei a passar mal e fui parar no pronto-socorro com meu primeiro pico
de pressão alta. Foi quando decidi dar
um basta naquela situação – ele não iria parar.
Eu não iria mais aceitar o tratamento absurdo que estava me sendo dado
por alguém tão desqualificado para a função que exercia. Eu estava decidido me demitir do IAE, mesmo
sem ter nenhum emprego à vista.
Naquele fim de semana, resolvi procurar o Coronel
Chaves – o mesmo que havia me contratado 3 anos antes. Conversei com ele e lhe contei tudo o que
estava acontecendo. Havia parado minha
tese de doutorado pois a dedicação ao programa espacial estava me absorvendo
completamente. Apesar de tanta dedicação
estava sendo tratado de forma abusiva e considerado relapso.
Chaves, que conhecia Kruger bem antes de mim, ouviu tudo com muita calma
e me fez uma proposta. Sair da divisão
de Instrumentação e Controle e ir para a divisão de Sistemas Bélicos da qual ele era o chefe. Lá eu poderia voltar a me dedicar à tese de
doutorado e auxiliar nos projetos que estavam em andamento lá. Gostei da proposta e combinamos que eu poderia começar imediatamente. Isso era um domingo.
No dia seguinte, na primeira hora do expediente, procurei o engenheiro
Calderaro e lhe perguntei de forma bastante simples e objetiva se ele
concordava com o que estava acontecendo.
Ele tentou ficar em cima do muro e eu lhe dei um xeque-mate. Estava apresentando minha demissão do cargo e
solicitando minha imediata transferência para a divisão de Sistemas Bélicos,
onde o chefe já havia sido informado.
Sai da sala, preparei a parte com a solicitação de transferência. Após o almoço, esvaziei minha sala e deixei o
prédio no final da tarde.
Essa foi uma das muitas atitudes que tomei em minha vida baseado em
convicções e não em conveniências. Não
fazia idéia do que estaria à minha frente.
Mas o melhor estava por vir.
Prezado Waldemar,
ResponderExcluirO que mais estranho é deixarem um camarada como aquele dentro de um instituto de pesquisa de ponta. A descrição que destes no artigo anterior me lembrou aquele chefe da Luftwaffe, marechal do ar, gorducho que andava com um uniforme todo branco, e um bastão na mão.