MILAGRE – parte 2
No dia seguinte eu tinha uma nova sala em outro prédio. Graças a Deus era uma pequena sala e eu estava sozinho, com minha tristeza e minhas incertezas em relação ao futuro. Um turbilhão de sentimentos, meu mundo estava desabando. Havia me dedicado totalmente e me sentia confuso por estar sendo tão injustiçado.
Nos dias que se seguiram, recebi a visita de apenas 2 ex-colegas de
equipe. Vieram prestar solidariedade
para a qual lhes sou eternamente grato. Também
trouxeram informações de que minha saída havia trazido uma grande repercussão e
diziam que o Waldemar virou a mesa. Eu
não via assim mas alguns viam.
Procurei me concentrar na minha tese de doutorado – era o que me restava. Aproveitar a oportunidade que Chaves havia me
dado e concluir o doutoramento. Não tinha
idéia de que viria depois. Não queria
pensar nisso para não dispersar energia.
Eu precisava concluir o doutorado.
O futuro estava nas mãos de Deus.
As semanas foram se passando com notícias sempre ruins. Kruger me acusava de atraso no lançamento do protótipo
04 do Sonda IV e eu nem podia me defender. Mesmo assim fui levando
meus estudos, procurando não deixar que aquele ambiente me prejudicasse mais do
que já havia prejudicado. Finalmente
chegou do fim do ano e, em seguida, as férias.
O ano de 1989 começou sem maiores expectativas, até que uma sequência de
fatos mudaram meu destino. Já no início
do ano fiquei sabendo que o engenheiro Calderaro, chefe da minha antiga divisão,
havia pedido demissão – o que era uma raridade.
Em seu lugar entrou o engenheiro Giovani (nome fictício). Giovani era um engenheiro antigo no IAE e uma
pessoa sisuda e muito sério no que fazia.
Giovani era muito preparado.
Havia feito um treinamento no CNES por um ano e tinha fluência em
francês e inglês. Mais do que isso,
diferente da maioria dos chefes que tive, Giovani assumiu o cargo com a disposição
de realmente liderar a divisão em direção aos objetivos institucionais. Giovani tinha algumas características que iam ao encontro com as minhas. Se algo
merecia ser feito, merecia ser bem feito.
Ele cobrava isso.
Imediatamente fez uma reunião com os engenheiros mais antigos da divisão
para ouvir deles sobre os problemas da mesma – houve uma crítica geral às
atitudes de Kruger. Giovani então começou
uma reestruturação da divisão.
Eu havia sido substituído pelo engenheiro Stuart (nome fictício) que tinha boas referências. Formado pelo ITA e recém chegado
de Stanford, onde fora fazer doutorado. Estranhamente Stuart e Giovani começaram a se desentender
por motivos administrativos. Stuart havia
se recusado a entregar uma documentação sobre sua estada no exterior e Giovani
queria dar por encerrado aquele processo que permanecia em aberto.
Não sei dizer exatamente o que aconteceu naqueles primeiros meses de
1989, mas logo após o lançamento do Sonda IV as coisas esquentaram muito na
minha antiga divisão.
Em um certo dia no final do primeiro semestre, para minha total surpresa,
Giovani me procurou. Após descrever
sucintamente os problemas que estava enfrentando na divisão, disse que estava
pensando em chamar de volta e perguntou se eu aceitaria. Aquilo parecia um sonho. Eu não estava acreditando no que estava
presenciando.
Nessas horas, sinto que existe algo sobrenatural que me leva a falar
coisas não preparadas (nem pensadas) anteriormente. Eu respondi:
eu quero muito voltar mas não a qualquer preço. O ambiente hostil que deixei não me permitia
trabalhar. Reencontrá-lo não mudaria
nada e eu não estava disposto a passar por aquilo novamente. Giovani entendeu muito bem minha posição e
saiu. Havia ainda muita água pra passar debaixo dessa ponte.
Toda aquela situação era impensável 6 meses antes mas estava
acontecendo. Entendo como um milagre.
No próximo post descreverei a conclusão.
Essa é a vantagem de sempre fazer o certo, pode levar tempo, mas o reconhecimento um dia chega e quando chegar ele será útil.
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