ESPAÇO PARA O CARIMBO

Quando eu me formei, o papel de uma secretária era, além de ajudar na organização das atividades, datilografar os textos para o setor em que trabalhava.  Com a chegada dos editores de texto, iniciou-se um estranho processo de transferência de responsabilidades.  Os engenheiros poderiam produzir seus próprios documentos e à secretaria cabia organizar e arquivar.  Até aí tudo bem.  Foi uma grande melhoria de produtividade. 

Entretanto, os textos ligados às atividades administrativas / burocráticas começaram a ser empurrados para os engenheiros.  As secretárias passaram a ser a revisoras dos textos e não as elaboradoras.

Surgiu então uma deturpação inaceitável.  As secretarias solicitavam que os autores dos textos corrigem o mesmo.  Ou seja, com a desculpa da nova tecnologia, transferiram suas responsabilidades para aqueles que elas deveriam assessorar.  Como o texto era editável a secretária deveria ela mesma fazer as correções que julgasse necessárias e não usar o tempo dos engenheiros para fazer o trabalho que era dela.

O ápice desse absurdo aconteceu quando fiz uma solicitação de compra de componentes eletrônicos.  Deu um enorme trabalho preparar uma planilha detalhada (exigência da burocracia) dos componentes a serem adquiridos.  Foi encaminhado pelas vias formais para o setor de compra e o documento voltou em 2 dias.  Não era exatamente uma surpresa, já que essa via crucis era comum.

Surpresa mesmo foi quando liguei para a secretária do setor (que havia devolvido o documento) para saber o motivo.  Faltou espaço para o carimbo, disse ela.  Fiquei perplexo e repliquei:  mas porque você não carimba no cabeçalho do documento (que só continha informações administrativas) ?  A resposta foi fatal:  mas assim ninguém vai poder ler o carimbo! 

Acontece que o tal carimbo não tinha nada escrito nele a não ser o símbolo institucional.  Diante de tal asnice preferi dessa vez me calar.  Não ia convencê-la de que ela mesma poderia mexer no documento para encontrar quanto espaço quisesse para qualquer carimbo.  Na verdade era sua obrigação fazer isso e não a minha.

Refizemos o documento e reencaminhei mas não me dei por vencido.  Liguei para o chefe dela para reclamar da sua atitude.  A resposta foi estapafúrdia: coitada ela trabalha muito.  Repliquei incontinenti:  trabalha muito e mal!  Aliás é por isso que trabalha muito, porque trabalha mal e ainda dá trabalho para os outros. 

A triste realidade do “bom mocismo” dos chefes que persistem em não querer serem vistos como antipáticos ao cobrarem de seus subordinados qualidade no trabalho, ajuda a nos manter na mediocridade.

“A persistência nem sempre é uma qualidade.  Porque quem persiste em atitudes erradas está semeando sua própria destruição”

Comentários

  1. Professor, pior que isso já aconteceu comigo numa certa instituição. Kkkkkkk

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    1. pode publicar aqui. será interessante ver como é generalizado

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  2. Na maioria dos casos não é nem "bom mocismo" e sim "rabo presismo".
    Na hora que houver uma investigação rígida, todos irão atirar conta todos.
    E no meio de todo isso, sempre há ficha limpa que não quer ser o chefe de todos.

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