PASSAGEIRO IMPREVISTO

Em junho de 1992, fui para Natal em uma missão de lançamento de alguns mísseis que estavam sendo desenvolvidos pelo IAE.  O voo de ida foi feito por um avião bem velho (AVRO) que fez escalas em Vitória e Salvador.

Minha missão, que era apenas de acompanhamento, ocorreu sem nenhum problema e minha volta estava prevista para o fim daquela mesma semana.  Meu retorno seria, então, no domingo de manhã através de um avião Bandeirante que pertencia ao próprio CTA.  Me havia sido avisado que o avião estaria vindo de uma capital do Nordeste (que não me lembro qual) faria escala em Natal, rumo a São José dos Campos, seu destino final.

Às 8:00 da manhã de domingo, estava eu na sala de embarque do aeroporto militar aguardando meu voo.  Junto comigo estavam 2 sargentos, do Rio de Janeiro, que estavam ali em outra missão, aguardando a mesma “carona”.

Não tardou, o Bandeirantes aterrissou e taxiou até em frente a sala de embarque.  Os 2 sargentos se levantaram e foram até a janela do avião para se apresentar ao piloto.  Voltaram, olharam para mim e disseram:  não tem lugar para você !!

Como assim, não tem lugar para mim?  O avião era do CTA, eu estava em missão oficial do CTA e previsto de voltar naquele voo.  Como poderia não lugar para mim?

Fiquei em sobressalto até que vi quando os pilotos desceram do avião para ir ao banheiro enquanto a aeronave era abastecida.  Um dos pilotos era o próprio diretor do IAE.  Embora não tivéssemos intimidade, ele me conhecia e eu o conhecia.  Procurei-o e disse que estava ali com uma missão do Major Richard (nome fictício) e que ele me havia dito que eu voaria naquele avião.  O Coronel Diretor me disse então que não havia sido previsto o número de assentos no avião.

Em tempo – o processo de colocação de assentos em avião militar é bastante corriqueiro, já que não se sabe, a priori, o que será transportado nem mesmo número de ocupantes.

Liguei então imediatamente para a Barreira do Inferno e falei diretamente com o Major Richard.  Pedi que ele interviesse para alguma solução.  Não sei o que rolou na conversa telefônica que tiveram mas o resultado foi que os 2 sargentos receberam ordens de permanecer em Natal.  Saíram da sala de embarque furiosos como se a culpa fosse minha.

O Diretor, então, me procurou e disse: se quiser terá de voar em cima da bagagem.  Claro que aceitei e isso teria terminado apenas como um episódio pitoresco se não fosse o que eu encontrei dentro do avião.

Dentro do avião, não havia nenhum militar e sim as esposas dos pilotos, filhos e namorados respectivos, além da bagagem pessoal deles.  Tive receito de me sentar em cima da bagagem e vim sentado sobre o tampo da privada, durante todo o voo de retorno (em 2 escalas).

Fez todo o sentido que eu não fosse um passageiro esperado.  Aquela não era uma missão de serviço e sim um passeio com a família às custas do patrimônio público.

Não foi a primeira e, infelizmente, também não foi a última vez que eu presenciava funcionários públicos fazendo uso de seus cargos para usarem o bem público para fins pessoais.  Lembro-me desses episódios sempre que ouço aquele mantra idiota de que somente a educação nos tirará dos problemas sociais em que vivemos.  Todos os personagens de falcatruas que presenciei na vida profissional eram pessoas de nível superior.  

Porque é que a sociedade brasileira considera que a coisa pública não tem dono e pode ser espoliada ou destruída?  Falta é formação moral.  Meu pai me ensinou, desde muito pequeno, que eu deveria cuidar das coisas dos outros melhor do que cuidasse das minhas.

Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele.” Provérbios 22:6

Comentários

  1. No começo estava ruim, depois piorou, quando achei que ia começar a melhorar, ficou terrível.
    Más é isso, no Brasil não tem como reclamar, pois dificilmente a cadeia de superiores não tem o "telhado de vidro".

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