A.R. – PRIMEIRO CONTATO

Em meados de 1992 recebi um documento, de uma única página, com a solicitação urgente de analisar seu conteúdo.  Tratava-se das especificações de uma plataforma inercial para o VLS produzida na Russia.  Juntamente com o pedido veio também a notícia de que, em breve, receberíamos uma comitiva russa para discutir o assunto.

A tal página (não dá pra chamar de documento) era incompreensível.  Estava escrito em inglês mas não parecia inglês.  Os termos técnicos não faziam sentido, muito menos a gramática das frases.  Era meu primeiro contato com a transliteração.  Pegou-se um texto em russo e traduziram palavra por palavra para inglês.  Não fosse a responsabilidade do texto, ele seria engraçado.

Me esforcei bastante para tentar entender o que aquilo queria dizer.  Fiquei com mais dúvidas do que certezas e fiz uma lista de perguntas para quando a tal comitiva chegasse.

Finalmente chegou o grande dia.  Primeiro contato com uma equipe de russos que estavam no Brasil para negociar o fornecimento de equipamentos para nosso programa espacial.  A equipe era liderada por um cara baixinho chamado Morozov.  Sua altura era inversamente proporcional à sua arrogância.  Quando perguntei a ele o que estava achando do Brasil ele só fez críticas a começar pela comida.  Depois que fui à Russia é que percebi o quão estúpido tinha sido o comentário feito por ele.

Morozov era o diretor de uma grande empresa russa fornecedora de equipamentos para área espacial e de defesa.  Em minha primeira visita à Russia voltamos a nos encontrar, dessa vez em sua empresa.

Quando chegou o momento de discutirmos o tal “documento” de especificações deixei bem claro minha dificuldade em entender o texto e reclamei que não havia muita informação nele para eu pudesse fazer uma avaliação mais precisa.

Foi aí que recebi a primeira grande lição russa para minha vida profissional.  Morozov respondeu (através do intérprete – ele não falava inglês) que estavam discutindo um contrato de consultoria técnica, ainda não assinado, e que já haveria transferência de tecnologia ao mostrar as especificações do equipamento.  Até mesmo em fazer as perguntas sobre nossas necessidades já havia transferência de informações sigilosas.

À parte da sua truculência, Morozov estava certíssimo.  Aprendi imediatamente a lição.  Ao fazer as perguntas certas você está apontando a direção do que é importante e qual o caminho certo.  Especificações contêm uma enorme quantidade de informações tecnológicas e valores que mostram o que é possível se obter com elas.

Essa visão me trouxe grande maturidade profissional.  A partir daí passei a ver com outros olhos todas as discussões técnicas, principalmente com representantes de empresas estrangeiras.  É assim que conseguem uma série de informações úteis aos serviços de inteligência.

O próximo passo era ir à Russia conversar com os especialistas.

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