INJUSTO

 Logo após minha passagem de chefia da subdivisão de controle, meu substituto me procurou sobre a possibilidade de conseguir uma bolsa, pelo projeto SIA, para uma mestranda do ITA que ele havia conhecido.  Segundo ele, ela seria de grande ajuda dentro dos planos que tinha para a subdivisão.

De fato, haviam bolsas de mestrado disponíveis.  Eu não conhecia a moça, que vou chamá-la de Messalina.  Não a entrevistei, mas olhei seu currículo e me pareceu muito bom.  Em especial, seu orientador no ITA era um profissional muito respeitado.  Assim, Messalina começou a trabalhar conosco.

Na mesma semana de sua chegada, recebi um e-mail, de um funcionário do IAE que estava inconformado com o fato dela estar trabalhando na organização e fazia sérias advertências sobre sua presença lá.  O texto não era muito claro nas acusações mas deixava transparecer o seu caráter passional.  Chamei Messalina, lhe expus o que estava acontecendo e perguntei se se tratava de algum ex-namorado.  Ela disse que, na verdade, era um mal-entendido pois jamais estivera namorando com aquele rapaz, apenas o conhecera numa festa. 

Para dar um fim da situação, eu respondi ao e-mail com toda a seriedade.  Disse ao indivíduo que, como funcionário público, eu tinha obrigação de investigar toda denúncia que me fosse feita.  Que estaria pronto para abrir uma sindicância e que ele seria arrolado como acusador principal.  Imediatamente, ele respondeu pra esquecer tudo e ficou o dito pelo não dito.

Passada algumas semanas, era um sábado, eu estava retornando de uma viagem ao exterior.  Me encontrava dentro de uma viatura oficial que havia ido me pegar no Aeroporto internacional de Guarulhos.  Recebi uma ligação no meu celular.  Era o chefe da segurança do IAE.  Dizia ele que havia um homem na portaria do instituto, fazendo um escândalo, dizendo que a filha dele não havia voltado para casa no dia anterior e que ela ainda estaria dentro da organização.

Pedi para o chefe da segurança que despachasse o homem com calma, afirmando que não havia ninguém lá dentro e que, tão logo tivéssemos maiores informações à respeito, ele seria informado.  A seguir, liguei para um funcionário que trabalhava com ela e perguntei o que havia acontecido no dia anterior (sexta-feira).  Ele me disse que eles haviam saído juntos ao final do expediente e que ele a havia deixado no ITA.  Fiquei imaginando que ela teria dormido na casa do namorado e não dado satisfações em casa.  Mas era melhor esperar para ver qual seria a explicação que ela daria na segunda-feira.

No início do expediente, Messalina compareceu normalmente e não me procurou, como se nada tivesse acontecido.  Chamei-a em minha sala e lhe perguntei se ela não tinha nada para me dizer.  Ele fez uma cara de desentendida.  Então, descrevi o ocorrido.  Ela disse que havia ficado estudando no ITA até de madrugada e que aquele homem não era seu pai.  Preferi não entrar em maiores detalhes pois percebi que iria me aborrecer.  Então, lhe disse claramente: você está aqui a menos de 1 mês e já é o segundo episódio em que sua vida pessoal está interferindo diretamente no trabalho.  No próximo, você será demitida, estamos entendidos ?  Ela acenou com a cabeça e saiu da sala.

Passados mais alguns meses, a esposa de um funcionário (que vou chamar Decêncio) ligou para minha secretaria, fazendo a maior confusão, dizendo que Decêncio estava tendo um caso com Messalina.  Eu o chamei imediatamente e lhe perguntei se era verdade e ele negou tudo com a maior cara de pau.  Mas não parou por aí pois as ligações passaram para os demais colegas de trabalho até que Decêncio admitiu o problema.  Com já era final de ano e estávamos entrando em recesso, esperei que voltássemos das férias para tomar as providências cabíveis.

Já no primeiro dia útil do ano, chamei Messalina e lhe lembrei do que lhe havia dito, que na terceira vez ela seria demitida.  Também lhe chamei a atenção de que ela estava perdendo uma oportunidade profissional enorme e que ela tinha que escolher se queria ser uma pegadora de homens ou uma engenheira séria.  Em seguida, pedi que ela se retirasse do prédio.

Passada uma meia-hora, Decêncio entrou na minha sala e disse que havia ficado sabendo que eu demitira Messalina.  Eu confirmei o fato e ele me surpreendeu com a pergunta:  você não acha que você foi injusto ?  Eu o surpreendi ainda mais ao responder:  fui sim.  Fui injusto.  O certo era demitir vocês 2 mas, infelizmente, você eu não posso.  Então, fiz o que estava ao meu alcance.

O desenrolar dessa história é assunto pessoal de Messalina e Decêncio e não me cabe relatar aqui.  Entretanto, ficou uma lição muito sutil.  Uma verdadeira tentação demoníaca.  Se não posso ser totalmente justo, então não devo fazer nada à respeito ?  Ou seja, a omissão seria justiça ?  O mal não deve ser punido por não ser uma justiça completa ? 

Lembrei-me de uma frase do famoso seriado Law and Order que dizia mais ou menos o seguinte:  não sou responsável por pegar todos os bandidos, só aqueles que estão ao meu alcance.

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