A.R. Proposta Inadequada
A primeira viagem à Russia terminou de forma inusitada. Eu havia participado de diversas reuniões técnicas, principalmente para discutir a compra de uma plataforma inercial para o VLS. Eles tinham plataformas enormes que eram utilizados nos veículos lançadores deles. Eu as chamava carinhosamente de caixote de laranja (era o que pareciam). Em nossa última reunião, após conclusão sobre as especificações, ficou acertado de que enviariam um orçamento, o mais breve possível.
Logo depois do nosso retorno ao Brasil, recebemos uma carta do Morozov com
uma desculpa muito esfarrapada sobre a conversa de mandar um orçamento para a
plataforma inercial. Dizia ele que era
devido à dificuldade do idioma. Também
disse que não poderia fornecer uma plataforma inercial pois ela se inseria em
um sistema para a qual não se adaptaria ao nosso.
Como conclusão, estaria sim disposto a oferecer que eles fizessem todo o
sistema de controle, incluindo os equipamentos e a própria rede elétrica, por
um custo de 30 milhões de dólares.
Evidentemente que tal proposta foi rechaçada imediatamente. Não entro nem no mérito do valor. A proposta era completamente inadequada pois
ia contra os principais objetivos do projeto, que era o desenvolvimento de
tecnologia nacional. Se eles iriam fazer
para nós, o que iríamos aprender com isso?
Que desenvolvimento real isso iria nos trazer?
Lembro na época que fiz uma brincadeira com respeito à proposta. Seria mais fácil, comprar logo um veículo
inteiro e pintar a bandeira do Brasil dizendo que era nosso (afinal nós
compramos então é nosso – só que não).
Até mesmo a análise do nosso projeto de controle (preliminary design
review) não nos trouxe nenhum benefício ou orientação, salvo a dica do Baskakov
(vide post conhecimento secreto). Acho
mesmo que sua atitude estava ligada ao fato de que ele sabia que nada seria
fornecido, embora o serviço de análise tivesse sido pago.
Eles queriam impor algo que não havia sido pedido nem era do nosso
interesse.
Curiosamente, parece que isso fazia parte da cultura deles - eles decidem o que é bom para você. Quando fui em restaurante de um hotel internacional, o atendente (acho que era o maitrê) chegou à mesa nos cumprimentou e depois se retirou. Após algum tempo, perguntei para a intérprete onde ele havia ido pois eu queria pedir o cardápio. Ela respondeu que ele já estava preparando nossa comida. Como assim ? Perguntei eu. Ela respondeu, ele escolhe o cardápio que irá lhe oferecer analisando sua aparência. Diante disso exclamei: chame-o imediatamente! onde já se viu que alguém vai decidir o que eu vou comer... O Maitrê retornou com uma cara de poucos amigos mas conseguimos comer o que escolhemos (só não sei como foi preparado).
Hoje não tenho certeza se a decisão de oferecer apenas o sistema
completo tenha sido apenas dos russos.
Bem provável que a empresa brasileira que intermediava o negócio
estivesse por trás disso, querendo ganhar muito dinheiro sem deixar quase nada
em troca. Não seria a primeira nem a
última vez que eu veria brasileiros prejudicando seu próprio país em troca de
dinheiro.
Mas, nesse caso específico, a história teve um final feliz porque
encontramos outra empresa que iria nos fornecer a tão desejada plataforma. Começaria, então, a maior de todas as
aventuras russas.
Brasileiro tem que ser malandro por questões culturais, acredito que por lá a malandragem se tornou algo mais importante para a sobrevivência.
ResponderExcluirNo final das contas, certamente tinham malandros nas duas pontas.
Realmente se precisar que funcione de primeira é melhor comprar, como o SGDC, se não pode dar errado, compre.
Foi uma saga! Pra quem só viu o lançamento do VLS, sequer tem noção do q houve nos bastidores...
ResponderExcluirAnsiosa pelas cenas dos próximos capítulos!
Na verdade, a dinâmica inovadora da empresa integradora está relacionada à capacidade de gestão de P&D compartilhada, entre ela e os parceiros e talvez este também pode ter sido um dos pontos do fornecedor.
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