ORAÇÃO COLORIDA

No início da década de 90 começaram a aparecer as primeiras impressoras coloridas (desk-jet).  Para o meu trabalho elas seriam fundamentais pois permitiriam imprimir gráficos sofisticados com cada resultado de uma cor.  Isso não apenas ajudaria em muito a compreensão dos resultados bem como o arquivamento dos mesmos (contrariamente a olhar na tela do computador que depois desaparece).

Segui o procedimento padrão de solicitar a compra de uma dessas impressoras para minha subdivisão.  Evidentemente, esse pedido tinha de ser acompanhado de uma justificativa.  Nenhum problema, apenas expliquei, com um pouco mais de detalhe, o que escrevi no parágrafo anterior. 

Os pedidos eram centralizados e comprados em um único pacote anual.  Assim, deveria esperar meses até que a bendita impressora chegasse.  Foi assim que eu soube que as impressoras chegaram, mas eu não recebi nenhuma (apesar da justificativa seriamente descrita).

Ora, se chegaram e eu não recebi, quem as recebeu?  As secretárias dos diversos chefes, muito embora nenhum documento oficial tivesse qualquer cor.

Eu havia ouvido falar disso mas não ainda não tinha visto nenhuma.  Até que fui à sala do diretor do instituto para falar com ele.  Enquanto aguardava na antessala, onde ficava a secretária, finalmente vi a tão desejada impressora e ela estava imprimindo algo.  Por mera curiosidade, me aproximei para ver como era a qualidade da impressão.

Para minha surpresa, a impressora estava imprimindo uma figura colorida (não uma foto – ainda não havia esse tipo de impressora) de um santo ao lado de uma oração.  Havia já impresso diversas dessas na saída da máquina.

De impulso, falei alto: ué mas que história é essa ? uma oração ?  A secretária veio de forma abrupta e enfadada e puxou as folhas dizendo:  era só o que faltava você vir aqui bisbilhotar onde não é chamado!

Não falei nada mas guardei a cena.  Eu precisando tanto daquele equipamento e ele sendo usado de forma irresponsável daquele jeito.  Entretanto, não culpo a secretária por utilizar a impressora, não apenas para fins particulares, antes desnecessários. A culpa desse descaminho é daqueles que distribuíam os equipamentos que deveriam, prioritariamente, servir às atividades fins (foram comprados com essa justificativa).  As atividades meios seriam depois. 

Duvido que o diretor tenha dado uma ordem para que sua secretária fosse suprida antes dos pesquisadores.  Entretanto, a necessidade de puxar o saco dos chefes se impõe. 

É impressionante com vi essa inversão de valores acontecer ao longo da minha carreira profissional.  Os objetivos institucionais preteridos em função daqueles que nada ou pouco contribuem para o cumprimento dos mesmos.

Não há oração colorida que resolva!

Comentários

  1. A inversão de valores está tão grande, que as pessoas questionam quem não usa equipamento público para fins pessoais (e tentam te convencer a usar).

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  2. Lembrei de um evento cômico quando do advento das impressoras laser no Instituto. Estávamos acostumados com aquelas matriciais, que imprimiam pontinhos agrupados. mas as lasers eram o supra sumo, o sonho de consumo, uma impressão contínua e clara. Então, eis que eu acabara de imprimir um relatório em uma dessas, recém chegada à Divisão, no que um colega (e amigo) me sopra do lado: nossa! nem parece que foi você quem fez.... kkkkkk lembro da história até hoje. Aliás, o Dr. Waldemar e eu somos do tempo em que as coisas eram feitas sem computador e sem pesquisa no Google (no máximo um computador analógico para as simulações). Outro fato pitoresco foi a chegada de mouses no Instituto (não os animaizinhos, mas os apontadores eletrônicos mesmo). Sim, isto mesmo: trabalhávamos no computador apenas usando o teclado até certa época. Tentem fazer isto hoje...

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    1. Isso mesmo Fausto. Com todas as restrições tecnológicas da época, pusemos o VLS na rampa e lançamos. Hoje com toda a sofisticação tecnológica e recursos da internet não se faz nem foguetes de sondagem...

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