MUDANÇA DE SENTIDO

Quando ingressei no IAE em 1985, já havia todo um processo de gestão em funcionamento.  Eu não entendia bem todos aqueles processos.  Me pareciam burocráticos e chatos.  Mas hoje eu os vejo como extremamente necessários.  Eles haviam sido trazidos pelo Eng. Boscov.

Para qualquer reunião havia uma convocação por escrito com local, data, horário e pauta do que seria discutido.  Vinha em uma tirinha de papel que cada participante recebia com antecedência.  A tirinha de papel era para economizar papel mesmo (afinal não havia e-mail nem Whatsapp).

Após a reunião, era imediatamente escrita uma ata que era assinada por todos os participantes (que assim concordavam com seu conteúdo) e cópias dessa ata encaminhadas para os mesmos.

Para cada viagem ao exterior (que era chamada de missão) havia uma exposição clara de motivos que se enquadravam nos objetivos do projeto que financiava tal viagem.  Quando houvesse mais de um missionário, um deles era designado como chefe da missão e responsável pelos demais.

Era exigido do missionário que demonstrasse competência na língua estrangeira que seria utilizada durante a missão, além da competência técnica.

No retorno da missão era feito um relatório detalhado, que descrevia tudo o que havia acontecido e quais as conclusões e recomendações.  Esses relatórios tinham a mesma importância dos relatórios de estudo e, por vezes, eram utilizados como referência dos documentos seguintes.

Havia também toda uma organização e controle de documentação.  Isso era feito através da descrição de uma árvore (na verdade o diagrama se parecia mais com uma raiz) de assuntos que montavam o WBS (work breakdown structure).  Esses assuntos traziam uma numeração específica e os relatórios eram numerados em função dessa estrutura.  No início de cada relatório, listava-se os documentos anteriores que orientavam como aquele relatório se enquadrava dentro do projeto.  Havia inclusive uma secretária responsável por cobrar a execução dos relatórios dentro das normas e controlar sua emissão e cópias.

Hoje até vejo com saudade esses tempos.  A tecnologia trouxe a possibilidade de documentos editáveis com figuras e fotos de alta qualidade.  Formatos digitais que permitem não apenas a correção de erros, mas principalmente a procura de palavras-chave e conexões (links) para outros relatórios.  Muito embora isso permitisse o aumento de produtividade, qualidade do trabalho e em seu arquivamento, de fato tal não ocorreu.

Na verdade, a tecnologia não trouxe aumento na produtividade e sim de burocracia.  Não via nenhum controle de configuração ou de edição dos relatórios.  Esses passaram a ser feitos de forma desleixada.

As missões passaram a ser realizadas de forma irresponsável.  O relatório de missão tornou-se uma única folha pré-preparada (template) com perguntas tipo: aconteceu algo diferente a ser relatado?  Não servem pra nada, são mero perfunctório.

As reuniões passaram a acontecer sem nenhum preparo e registro.  Tornaram-se uma perda de tempo ou mesmo um campo de disse-me-disse.  Sem atas que registrem o que foi decido não se pode cobrar ações e responsabilidades.  Sempre aparece aquela desculpa de que não foi bem assim ou não entendi desse jeito.

Houve claramente uma mudança de sentido – entenda-se tanto de significado como de direção.  Temos muito mais recursos e menos realizações e nem mesmo nos perguntamos o porquê.  Voltemos ao passado e reaprendamos com o que funcionava. 

Comentários

  1. Pois é, aconteceram duas guerras mundiais e o homem foi à Lua sem a fartura de recursos tecnológicos (ou de burocracia)

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  2. Também lembro da fase inicial dos e-mails, e quando passava as tardes na biblioteca do ITA, pesquisando, transcrevendo trechos importantes, tirando xerox de outros...
    Na vida profissional, cito as metodologias tradicionais, e alguns torcem o nariz, já que a onda agora é Agile.
    Na intenção frustrada da aplicação do framework ágil, acabam conseguindo realizar um "cascágil"... muitos nem conhecem o modelo V, que atende a quase tudo.
    Ser resiliente é importante, mas ter vivência de outras épocas, é altamente enriquecedor.

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  3. Olhando pelo escrito, acredito que o problema foi a falta da secretária, pois ela era a pessoa que cobrava os trabalhos.
    Certamente no início, a secretária não recebeu um computador, ou se recebeu, foi uma barreira para prosseguir o trabalho como se conhecia.
    Em todos os exemplos de documentação bem gerida que eu vi, eles tinham em comum ter apenas 1 dono, nem 0, nem 2 ou 3, apenas 1.

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