PORRADA – parte II
Passei aquele fim
de semana tentando entender o porquê da fúria de Gervásio contra mim. Eu não havia mandado a parte contra ele e nem
mencionado o seu nome nela. O único vínculo
existente era que que Writer, o motivo da parte, era seu funcionário e eu não
sabia. Ainda assim, isso não justificava
tanta agressividade e ameaça.
Na segunda-feira
seguinte ao episódio, logo após o almoço, conforme Temístocles havia me
assegurado, Gervásio apareceu na minha sala.
Eu não o conhecia pessoalmente, por isso, demorei alguns segundos para
ter certeza de quem era.
Ele entrou
cabisbaixo, com um semblante sombrio e olhou em direção à minha mesa de
trabalho. Em seguida, disse que haviam
lhe dito que eu gravara a conversa que tivemos.
Então, entendi
porque ele olhava para minha mesa. Havia
um grande gravador ao lado do telefone, onde eu escutava minhas fitas
cassete. Sempre estudei ou trabalhei ouvindo
música. A presença do gravador tinha
essa finalidade. Não gravar conversas.
Eu disse, sorrindo,
para Gervásio que não sabia quem havia dito uma coisa daquelas mas que não era
verdade. Solicitei que ele se sentasse
em uma pequena mesa de reunião que havia em minha sala.
Logo, ele disse que
estava ali para resolver o problema da parte.
Na verdade, o motivo não era a parte e sim a ameaça absurda que ele me
havia feito. Fui até minha mesa e peguei
a pasta onde estava a parte original e entreguei na mão dele dizendo: “Coronel essa é a parte que escrevi, leia e
me mostre o que há de errado nela. Me
mostre algo errado e eu lhe pedirei desculpas.”
Gervásio pegou a
pasta, ainda cabisbaixo, e a leu. Em
seguida, disse claramente: “Não há nada
errado no que você escreveu. Tudo o que
está aqui é verdade.”
Naquele momento
tive um in-sight (que um querido
amigo costuma chamar de epifania), e disse para Gervásio: Eu sei o que aconteceu! Você não leu a minha parte, leu o despacho com
que o diretor lhe encaminhou-a e não deve ter sido nada bom. Você não estava com raiva da parte e sim do
despacho.
Gervásio ficou em
silêncio por algum tempo e, então, disse:
O que você quer que eu faça?
Esse foi um momento
crucial. Pensei primeiro no óbvio – peça
desculpas pelas ameaças. Mas logo me
veio outro pensamento. Ele já estava ali
humilhado. Não sabia o que haviam dito
pra ele. Até inventaram uma possível
gravação da conversa.
Não tive nenhum
sentimento de vingança ao querer humilhá-lo ainda mais. Assim, eu lhe falei brandamente: “ora
Coronel, que o senhor reconheça que errou.”
Gervásio sem demora
disse: “Sim eu errei. Reconheço que
errei.” Eu me levantei e estendi a mão
para ele dizendo: “então, estamos resolvidos.”
Ele se levantou e apertou minha mão.
Eu estava muito aliviado
pelas coisas terem se resolvido de forma tão simples. Então falei para ele: “o senhor não sairá daqui de mãos vazias”. Em seguida, dei a ele um pôster do VLS. Ele agradeceu e saiu. Nunca mais o vi, até sua aposentadoria.
Entretanto, para
minha surpresa, anos depois nos encontramos na LAAD (Latin
America Aerospace and Defence) no Rio de Janeiro. Foi ele quem me
procurou e me cumprimentou com alegria e amizade. Concluí que o episódio, que poderia ter gerado
muita confusão, se transformou em uma oportunidade de ganhar seu respeito e não sua inimizade. Acredito também que tenha sido de grande
edificação pra ele igualmente.
Infelizmente, o motivo inicial de toda essa encrenca não se resolveu. Writer continuou não fazendo nada até sua aposentadoria e eu não obtive as bolsas. Leniência institucional à vagabundagem é uma das maiores causas da improdutividade. Fiz o que estava ao meu alcance. Não me omiti. Mas o corporativismo do serviço público é um problema que, naquela época, estava além das minhas forças.
Em tempo, embora nunca tivesse pensado no assunto, achei excelente a idéia de gravar minhas conversas telefônicas. Assim que pude, comprei um aparelho específico para essa finalidade. Anos depois foram de grande utilidade – que será assunto de futuros posts.
A reconciliação sempre é a melhor opção. Bela história, ainda mais sabendo que aconteceu mesmo.
ResponderExcluirSim Fausto, todos os episódios desse blog são reais, só os nomes dos personagens são fictícios pois o objetivo do blog é educativo (não punitivo). Só não lembro se já trabalhávamos juntos quando o "Gervágio" me ameaçou
ExcluirOlá Sr. Waldemar, assisti por duas vezes a live que fez no canal Sala de Guerra, ele foi muito útil e esclarecedor. Eu sempre tive a impressão que os problemas causados por tamanhos atrazos e a nossa uma guase nulidade do progama espacial eram causados na sua grande maioria pela fauta de investimentos e descaso político, nunca me passou pela cabeça, ainda mais depois de ler o seu texto "porrada I e II" que prova que o nosso principal problema é o descaso, o corparativismo e a total incompetência da administração pública e o péssimo trabalho prestado de quem é pago e muitos eu sei que são bem pagos.
ResponderExcluirSr. Waldemar continue divulgando estes fatos a todos e em todas as mídias, tenho certeza que assim como eu que apesar de ser da área não sabia da existência destes fatos, com certeza muitos outros e o grande público também não teem o conhecimento destes absurdos burocráticos e incompetentecias que atrasam nosso desenvolvimento nesta importantíssima área e com isso toda uma nação.
PARABÉNS Rs. WALDEMAR PELO ÓTIMO TRABALHO PRESTADO AO NOSSO PAIS E A NOSSA PATRÍA.
Muito obrigado por suas palavras Marcelo. Tenho procurado ser sucinto na descrição dos meus "causos" para não cansar o leitor e também não gerar conflitos pois a realidade é até pior do que eu relato. Vivenciei essas coisas absurdas em minha vida profissional e elas continuam acontecendo. Assim o blog se propõe a ser um farol para orientar as novas gerações a conter esse descalabro.
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