Kreonte

Quando assumi a chefia da subdivisão de controle em 1987 havia um engenheiro recém contratado (não por mim) no grupo.  Vou chama-lo de Kreonte.

Naquela época havia uma avaliação semestral detalhada (vide post Avaliação - parte I) que era levada a sério pois determinava ou não as promoções.  Durante duas avaliações consecutivas Kreonte ficou com a nota mais baixa da toda a divisão.

Então eu o chamei e lhe expus a situação.  Eu já havia lhe dado tarefas diferentes e ele não conseguira realizar nenhuma.  Então eu o chamei e lhe expus a situação: “Kreonte eu já tentei diferentes atividades para você e você não as conseguiu realizar.  Não vejo onde mais você possa colaborar conosco.  Além do mais você tem sido a nota mais baixa da divisão.  Assim, estou lhe comunicando que vou solicitar sua demissão”.

Kreonte não pareceu surpreso e já tinha uma proposta pronta: “você me transferiria para outro lugar ?” perguntou ele.  Respondi: “eu não transfiro meus problemas para os outros, logo não pedirei sua transferência.  Mas não impedirei que você seja transferido caso alguém assim o deseje”.

Naquela mesma semana, um outro chefe de subdivisão me ligou (de outra divisão) dizendo do interesse dele pelo Kreonte.  Expliquei a situação sem entrar em detalhes.  Ele estaria ciente da incapacidade de Kreonte para as atividades que eu havia lhe passado.  Assim, ele foi transferido.

Alguns anos depois ele apareceu novamente em meu prédio, agora na divisão cuja chefe era o Carrara (vide post régua de cálculo).  Posteriormente, Carrara me contou que havia lhe dado um manual de um determinado equipamento e lhe dera 2 meses para estudar como ligar o mesmo.  Passado o prazo, Kreonte não apenas não conseguira fazer o equipamento funcionar como não sabia explicar pra que este servia.  Assim, ele fora novamente transferido, dessa vez para a administração do instituto. 

Passado mais algum tempo, eu soube que ele havia sido transferido para outro instituto do CTA e depois outro.

Num belo dia, eu encontro Kreonte em uma padaria perto da minha casa.  Ele veio falar comigo.  A conversa foi muito estranha.  Não sei se era porque eu não tinha contato com ele fazia quase 30 anos, mas ele não falava coisa com coisa.  O pouco que consegui entender é que ele havia concluído o doutorado – o que não deixou de ser um espanto.

Após saber de sua aposentadoria, resolvi olhar o seu currículo Lattes.  Para um espanto ainda maior, dizia que ele teria 3 pós-doutorados, 47 cursos de curta duração e produção científica ZERO.  Um dos pós-doutorados apresentados teria sido no INPE sob a supervisão de um pesquisador sério meu conhecido.  Então liguei para esse pesquisador.

Perguntei se ele havia orientado um estágio de pós-doutorado do Kreonte.  Ele deu um sorriso dizendo: lembro daquele rapaz estranho.  Eu estava ministrando um pequeno curso aberto ao público em geral de 3 dias no qual ele participou.

Ou seja, Kreonte havia descrito um pequeno curso de algumas horas para público leigo como se fosse pós-doutorado.  Eu não quis averiguar mais para não ficar com raiva.  Quantas falsidades mais haveria naquele currículo?  Outra coisa – 47 cursos de pequena duração era claro indicativo de que não sabiam o que fazer com ele e o mandavam fazer cursos.

A história de Kreonte deixa muitas perguntas: como uma instituição de pesquisa permite que um indivíduo que nunca produziu nada, se aposente com doutorado?  Conheci pessoas inteligentes e bem preparadas que ou não trabalhavam ou usavam seu tempo e esforço pra proveito próprio e não para a instituição.  Mas esse não era o caso de Kreonte.  Sua incapacidade intelectual era palpável. Ele fora transferido diversas vezes para as mais diversas áreas e simplesmente nada produzia.  Não há mecanismos que coíbam isso?  Onde estavam as avaliações que seriam instrumentos de saneamento institucional (vide post Avaliação-Parte II) ? Agora ele vive com um alto salário às custas dos impostos de quem realmente trabalha.

Não me sinto culpado por não tê-lo demitido quando podia.  As vezes que tentei (vide post Limpando a Área) demitir ou punir alguém nunca consegui.  Mais uma vez eu havia feito a minha parte mas a instituição não.

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