ATREVIDO
Em 1995 eu fui convidado para participar de uma banca de tese de doutorado de um tal de Fredegundo (nome fictício). Aceitei porque o assunto da tese – controle adaptativo – era também o tema da minha tese de doutorado e, portanto, assunto de meu interesse. Ao longo da minha carreira, publiquei diversos trabalhos (nacionais e internacionais) e orientei teses de mestrado e doutorado sobre esse assunto.
Recebi o texto
impresso da tese com 10 dias de antecedência e tirei o fim de semana para
lê-lo. Percebi, pela introdução e pelas
referências, que se tratava de um assunto desenvolvido por um autor famoso do
qual eu tinha o livro. Quando comecei a
ler o desenvolvimento do trabalho, achei algo muito estranho. A formulação inicial já dava solução ao
problema. Ora essa, qual o sentido de se
buscar a solução que já se conhece?
Na segunda-feira,
pela manhã, liguei para o orientador e o avisei que percebia algo errado na
proposição do estudo e que não estava entendo qual o sentido daquele trabalho. Ele me respondeu que mandaria Fredegundo me
procurar, para fazer os esclarecimentos necessários.
Logo após o almoço,
Fredegundo bateu à porta da minha sala e entrou. Eu me levantei da minha escrivaninha, me
dirigi à porta e pedi que ele se sentasse à mesa redonda que ficava bem em
frente (onde eu fazia costumeiramente as reuniões de trabalho). Antes de sentar-se Fredegundo tomou a palavra
e me perguntou: “primeiramente eu gostaria de saber se, por acaso, o senhor
entende do assunto !?!?” Fiquei pasmo
com tal atrevimento e respondi incontinente: “Por acaso, entendo sim!”
Fredegundo trazia
consigo a cópia (xerox) de um livro. Em
vez de me sentar, fui até minha estante e peguei o livro original cuja cópia
ele portava e lhe disse: “vamos
conversar sobre esse livro que você tem a cópia. Eu tenho o original e sei que o assunto da sua
tese é um dos exercícios da seção 4.3 que o autor deixou para os leitores
resolverem”.
O ambiente já
estava tenso e quando tentei iniciar a explicação da inconsistência que se
apresentava, Fredegundo não me deixava falar, argumentando de forma agressiva,
tentava responder a perguntas que não haviam sido feitas.
Fui perdendo a
paciência até que percebi que aquela conversa não iria a lugar nenhum. Ele não estava ali para aprender, estava ali
para me ensinar. Interrompi a conversa e
disse: “essa conversa acaba aqui, queria se retirar” e apontei a porta. Me levantei e voltei para minha escrivaninha.
Ele se levantou
claramente assustado e disse: “é, eu não devia ter vindo aqui !” Ao que eu
respondi: “pelo contrário, você fez muito bem em ter vindo aqui. Agora sei quem você é. Sexta-feira a gente se encontra !” Então, ele saiu.
Assim, que ele saiu
e peguei o telefone, liguei para seu orientador e disse: “ fórmula tal da
página tal – se ele não demonstrar a validade dela, está reprovado”, e
desliguei o telefone. Na quarta-feira,
recebi um e-mail comunicando o cancelamento da defesa da tese sem avisar para
quando seria transferida. A tese foi totalmente
refeita e defendida quase um ano depois disso.
Diga-se a verdade,
no dia da defesa, suas primeiras palavras foram de pedir desculpas pelo
episódio e reconhecer que perdeu a oportunidade de ter aprendido alguma coisa.
Posteriormente,
fiquei sabendo que Fredegundo havia confrontado um profissional muito
conceituado da área em um congresso nacional.
Ou seja, ele não havia aprendido a lição, sua arrogância e atrevimento continuavam
patentes.
"Uma pessoa arrogante se considera perfeita. Este é o
principal dano da arrogância. Isso interfere na principal tarefa de uma pessoa
na vida - tornar-se uma pessoa melhor." Leon Tolstói
Penso que o orientando compartilhava com o orientador a responsabilidade do mau desenvolvimento da tese...
ResponderExcluirDo ponto de vista técnico certamente. Do ponto de vista arrogância pessoal era exclusividade mesmo.
ExcluirBom dia Waldemar. Você acertou dois coelhos com um só disparo. O orientador não se mostrou à altura da tese. O comportamento do doutorando mostrava insegurança vestida de arrogância. Você cumpriu seu papel de membro da banca.
ExcluirEscutei esse “Por acaso, entendo sim!” perfeitamente, como se estivesse falando ao meu lado.
ResponderExcluirIsso é fácil de acontecer quando o pesquisador vive trancado muito tempo no mesmo laboratório, o intercambio ajuda muito nisso.