VIAGEM FANTÁSTICA – parte II
Após os encontros na GEC Marconi e já superado do susto do quase incêndio e da diarreia láctea, eu estava pronto pra voltar pra casa. Eu e Contreiro pegamos o avião para Paris onde seria a nossa conexão para o Brasil. Entretanto, nesse interim fomos informados que havia tido problemas nos ensaios da plataforma inercial e que deveríamos retornar para Moscou.
Lembro-me bem da
cena e da emoção de estar no aeroporto olhando para o avião da VARIG que estava
parado bem em frente ao gate e
pensar: puxa vida, eu deveria estar dentro daquele avião voltando pra casa.
Recebemos ordens de
ficar no aeroporto aguardando que um novo bilhete fosse comprado ida e volta
para Moscou e que seria informado ao balcão da AirFrance.
Como sabíamos que a
viagem seria no dia seguinte, deveríamos pernoitar em Paris. Assim, Contreiro ligou para um hotel
conhecido dele, no centro de Paris, e fez uma reserva para aquela noite. Não sem antes fazer as contas para saber se
teríamos dinheiro para bancar o resto da viagem. Levávamos dólares em espécie e enfrentávamos
o problema de câmbio em cada país, pois o euro só começou em 2002. Naquela viagem tínhamos que lidar com 3
moedas diferentes (Libra escocesa, franco francês e rublo). A prorrogação da viagem aliado ao fato de que
não era comum o cartão de crédito internacional, trazia outra tensão – não podíamos
gastar mais do que tínhamos em mãos.
O tempo foi
passando e nada de sermos chamados pelo sistema de som pela AirFrance. Isso começou a nos preocupar pois a viagem do
aeroporto Charles de Gaulle até o centro de Paris demorava em torno de uma hora
de trem e poderíamos acabar chegando de madrugada. Finalmente, perto da 23:00hs nosso nome foi
chamado e nos dirigimos ao balcão para emissão dos bilhetes.
Para quem não sabe,
os bilhetes aéreos são referidos pelas siglas dos aeroportos de saída e
chegada. O aeroporto de Moscou tinha a
sigla SVO de Sheremetyevo. Quando a
atendente pegou a ordem de emissão que tinha vindo do Brasil, falou com aquele
inglês afrancesado: “Então vocês estão
indo para Sarajevo (capital da Bósnia).”
Cheguei a levantar a voz de fazer eco: Não!! Sarajevo está em guerra, o aeroporto deve
inclusive estar fechado. Ela fez uma
cara de displicente, do tipo Ops foi mal.
Parecia incrível, que por muito pouco ela não nos mandaria para uma
região de conflito.
Finalmente, fomos
pegar o trem com nossos tickets em mãos para viajar para Moscou na tarde
seguinte. Não víamos a hora de chegar no
hotel e dormir. Ledo engano !
No meio da viagem o
trem começou a andar cada vez mais devagar e começamos a ver pessoas andando
pelos trilhos. Até que chegou a
informação – a central sindical havia decretado greve geral nos transportes
públicos. Era só o que faltava. Imediatamente os pensamentos passaram a nos
apavorar. E se o trem parar no meio do
nada ? Como iremos sair dali carregando malas
de viagem ?
Felizmente, parece
o condutor, sabendo que estava vindo do aeroporto, teve o bom senso de parar em
uma pequena estação suburbana. Dali
tomamos um taxi para o hotel. Chegamos mesmo de madrugada e não dormimos mais do que 5 horas.
No dia seguinte
fomos saudados com mais uma “boa” notícia – os taxistas também haviam aderido à
greve. É claro que o metrô já estava
parado. Como iríamos para o aeroporto ?
Nem tudo estava
perdido, achamos um taxista que cobraria “apenas” 100 dólares para nos levar
para o aeroporto. Era um valor exorbitante,
mas não tínhamos escolha. No caminho, o
motorista nos lembrou que a AirFrance também era estatal e poderia estar em
greve. Seria xeque-mate para nós. Fiquei até esperançoso. De repente, ficaríamos no aeroporto e
pegaríamos um voo para o Brasil.
Ao chegar no
aeroporto fomos direto olhar o painel dos voos internacionais e, praticamente,
todos os voos haviam sido cancelados.
Menos um, o que ia para Moscou.
Alguma coisa tinha que dar certo naquela bendita viagem. Não houve mais nenhum imbróglio até
retornarmos ao Brasil.
O resumo dessa
viagem fantástica foi o seguinte: em 17 dias eu havia feito 8 pousos e decolagens;
estado em 3 países com 3 idiomas diferentes e 3 moedas diferentes; enfrentado
um princípio de incêndio durante a madrugada; passado mal com diarreia; corrido
o risco de ir parar em um país em guerra e enfrentado uma greve geral na França.
Hoje olho para trás
e acho até graça de tudo que passei pelo ideal de construir alguma coisa para o
meu país. Por isso digo aos mais jovens: não temam nem desanimem. Um dia você irá olhar para todas as dificuldades que
enfrentou e verá que elas foram essenciais para lhe impulsionar, fortalecer e
fizeram de você o que você se tornou.
Se pensar bem, dá mais medo não ter esses perrengues para contar, pois pode significar que passou pela vida sem fazer algo que vale o esforço.
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