A.R. Araponga

No início de 1993, fizemos outra viagem para Moscou dentro do contrato com a Almaz.  A princípio, iríamos em 3 engenheiros envolvidos no projeto do VLS.  Quando apareceu um quarto “missionário”, o major Mijado (obviamente nome fictício).  Mijado era de outra organização e nada tinha a ver com o assunto que estávamos tratando. 

Não se tratava da simples presença de um elemento estranho ao grupo, mas também pelo fato de que ficávamos em uma situação estranha em Moscou – escondidos em apartamento particular em vez de em um hotel (vide post – começa a saga almaz).

Surpreso e um tanto revoltado com a situação, liguei para o diretor do IAE com o qual tinha uma ótima relação (somos amigos até hoje).  Ele me disse:  “Waldemar são ordens de cima – ele vai! – arranje alguma coisa pra ele fazer”.  Então, dei para Mijado a tarefa de especificar um determinado componente ao qual tínhamos interesse em adquirir.

Já no primeiro dia de trabalho, Mijado apresentou um texto com as especificações, por mim solicitadas, para o Sr. Lapin (mais tarde se tornaria o diretor da Almaz).  Lapin olhou para mim com uma expressão estranha e disse: chtó éta (o que é isso)?  Percebi rapidamente o que ele quis dizer.  O texto não fazia sentido.  Era um monte de caraterísticas desencontradas.  Tentei contornar a situação pedindo que Lapin dissesse o que tinha para oferecer e nós avaliaríamos posteriormente.

Não demorou muito, a intérprete Liza veio falar comigo em particular e perguntou quem era Mijado e o que ele tinha vindo fazer ali.  Eu fui muito franco e disse que mal o conhecia e que não sabia o que ele estava fazendo ali.  Então, Liza deu a sua opinião: ele veio tomar conta de vocês!  Não fiquei convencido disso.  Não fazia nenhum sentido.

No final da semana de trabalho, sempre tínhamos um almoço festivo.  Durante esse almoço Mijado fez jus ao nome.  Bebeu tanto que urinou nas calças e nem percebeu.  Após esse almoço ele se ausentou.  Achávamos que ele tinha voltado a casa para se trocar.  Ele apareceu bem mais tarde no apartamento dizendo que havia dado umas voltas de metrô.  Na próxima visita que fiz a Almaz, Liza veio me contar que Mijado havia saído com a secretária de Lapin e que ela havia sido demitida por isso.

Na época isso virou motivo de piada entre nós.  Conhecendo uma certa fama dele, comentávamos que o tipo de segredo ele estava querendo era outro.  Porém eu sentia vergonha.  Não fiquei feliz que um brasileiro fizesse um papelão daqueles durante uma missão confidencial de tanta importância.  Ele não havia feito absolutamente nada de útil.  Na verdade, tinha sido um peso morto.

Hoje entendo que a Aeronáutica o havia enviado como um observador de inteligência para “espiar a terra”.  Nós estávamos tão focados no desafio técnico que tínhamos diante de nós que não nos permitia olhar em outras direções.  Alguém de fora do processo, teria uma visão diferente.

Em outras palavras, foi uma atitude certa, porém com a pessoa errada.  Em vez de James Bond mandaram o Ara Ponga.


 

Comentários

  1. Demitiram a secretária... e o Mijado deve ter saído dessa lépido e lampeiro...
    Lamentável...

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