A.R. Encontro nada Secreto

Em abril de 1994 tive a oportunidade de publicar um artigo técnico no maior congresso de controle de Agência Espacial Europeia ESA, na Holanda.  De lá eu iria para Moscou para mais uma rodada de conversas técnicas na Almaz sobre a produção da plataforma inercial para o VLS.

Esse congresso tinha uma importância especial.  Devido ao recente desmonte da união soviética (1989), havia um interesse em atrair os pesquisadores russos.  Assim, promoveram minicursos ministrados por professores do Moscow Aviation Institute MAI.  Os cursos eram pagos e, como eu não tinha recurso, não assisti.  Mas queria muito poder ter contato com eles. 

No último dia, como é praxe nesses congressos, é fornecido um banquete para possibilitar a interação entre os pesquisadores.  Quando cheguei no salão, já havia bastante gente sentada e procurei uma mesa vazia.  Eram mesas redondas grandes que comportavam até 8 pessoas.  Fiquei olhando para ver onde os professores russos estavam e pensando como faria para me aproximar.

Por uma coincidência que só a providência pode explicar, poucos instantes depois que me sentei, os 4 professores do MAI se sentaram ao meu lado na mesa.  Quase que de imediato, o que estava ao meu lado puxou conversa e perguntou de onde eu era e o que fazia.  Eu disse para ele no dia seguinte estaria indo para Moscou.  Ele então me deu seu cartão funcional e me convidou para visitá-los.  Era tudo o que eu queria.

Assim, que cheguei na Almaz em Moscou, perguntei aos meus interlocutores onde ficava o MAI pois queria visitar os professores que acabara de conhecer.  A reação foi estranha pois começaram uma intensa discussão em russo.  Perguntei à interprete o que estava acontecendo e ela me disse:  “estamos discutindo se você deve visitá-los ou não”.  Ao que falei: “eu perguntei onde fica o MAI, não estou pedindo permissão de ir lá”.  Ela ficou espantada com minha resposta e, então, replicou: “quer dizer que você iria mesmo que nós disséssemos que não ?”  Ela ficou pasma quando eu respondi: “eu fui convidado, eu vou.” 

Depois de mais algum tempo de discussão (coisa que russo adora fazer) propuseram que a reunião com os professores do MAI fosse na própria Almaz com a presença de um intérprete deles.  Lembrando que os professores do MAI falavam inglês fluente (não era o caso dos profissionais da Almaz) não seria necessário nenhum intérprete.  O que estava acontecendo é que eles queriam saber sobre o que estaríamos conversando.

Em uma manhã daquela semana houve a tal reunião.  Foi bastante constrangedor conversar com alguém que sabia o que eu estava falando (em inglês) e, em vez de responder em inglês, respondia em russo para em seguida um intérprete traduzisse para o inglês.  O que foi conversado nesse encontro foi tão inútil que nem me lembro sobre o que falamos.  Mas o que aconteceu na despedido foi inesquecível.  Um dos professores (Veniamin) estendeu a mão para me cumprimentar.  Na palma de sua mão ele me passou um pequeno cartão com o número do seu telefone pessoal.

Naquela mesma tarde eu liguei para ele e fomos juntos para o MAI.  Então fiquei com mais raiva ainda do que estava acontecendo.  O MAI ficava a menos de 100 metros da Almaz.  Era só atravessar uma grande avenida. 

Nunca entendi bem o porquê a diretoria da Almaz não queria meu encontro com o MAI.  Seria medo de que algum segredo fosse passado?  Seria medo de que perdessem o negócio? Seria medo de que nos contássem algo sobre a Almaz que eu não deveria saber? Jamais saberei.  Mas uma coisa estava clara, eles insistiam em querer tutelar a vida alheia como se fosse um mero fantoche e descobriram que eu não permitiria isso

Apesar das forças contrárias, o encontro nada secreto aconteceu e gerou muitos frutos.  Eu pude trazer esses professores ao Brasil para ministrarem cursos no ITA e no INPE e ainda escrevemos um livro juntos. 

Comentários

  1. Acredito que essa proteção é reflexo cultural, como a Almaz parece ser um ambiente com bastante influência militar, certamente até coisas banais são tratadas com sigilo. Da mesma forma que uma pessoa que mora em cidade violenta cria o hábito de nunca sentar de costas para a entrada, mesmo que esteja em um lugar pacato.

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