COLA – o outro

Quando ministrava a matéria de sistemas de controle na Universidade Braz Cubas, aconteceu um fato curioso.  Durante a correção de uma prova, encontrei duas delas com respostas idênticas – um parágrafo inteiro – como se fossem transcrições.  Como não dava para saber quem havia colado de quem, dei zero nas duas provas.

É perfeitamente normal que os alunos procurassem o professor para reclamar de alguma possível injustiça na correção.  Além disso, uma vez lançada a nota, havia um procedimento para que os alunos pedissem formalmente a revisão da prova.  Essa revisão seria feita por outro professor que não o da matéria em questão – bastante justo.

No caso dessa prova, um dos alunos me procurou.  Afinal, tirar um zero o reprovaria na matéria.  Ele se colocou como o autor do tal parágrafo (que estava correto) e me disse que não sabia com o outro aluno poderia ter copiado o texto.  Eu expliquei para ele que não poderia fingir que não havia acontecido nada pois a cola estava muito explícita.  Mesmo que pudesse ser a transcrição de um livro (não era o caso) seria muita coincidência um parágrafo inteiro idêntico, letra por letra.

Propus então uma possível solução.  Que ele entrasse com o recurso formal e eu anularia apenas a questão com o parágrafo copiado e daria nota com respeito às demais questões.  Ele pareceu satisfeito com minha proposta.

Na semana seguinte recebi o comunicado de uma solicitação de revisão de um determinado aluno.  Conforme eu havia combinado dei um parecer de que apenas a questão que havia sido colada fosse anulada.  Entretanto, o coordenador da área não aceitou meu parecer e manteve a nota zero da prova, por cola.

Fiquei chateado pois eu havia prometido ao aluno dar uma solução àquela situação.  Fui até a secretaria tentar saber o que eu poderia fazer a respeito.  Foi quando tive uma surpresa.  Fiquei sabendo que o aluno que havia entrado com o recurso não era aquele que havia conversado comigo, era o outro. 

Os dois alunos tinham o mesmo primeiro nome e aquele que havia conversado comigo não havia entrado com o recurso.  Por motivo que eu nunca soube, ele desistiu de pedir a revisão da prova.  Entretanto, o outro aluno (pretensamente o colador) havia sim entrado com recurso.  Na verdade, não sei quem colou de quem ou se os dois haviam feito uma prova conjunta. 

Aquela estranha coincidência me deixou preocupado.  O fato é que se o coordenador não tivesse mantido a regra de que cola seria punida com zero, eu teria feito uma grande bobagem, livrando a cara de um possível infrator (ele não teve sequer a coragem de vir falar comigo).

Não fazia sentido a atitude do aluno que veio me procurar depois foi o outro que entrou com o pedido de revisão.  A melhor explicação é que os 2 estavam em comum acordo e quem entrou com o pedido de revisão era o que estava mais ferrado.  Cretinos!  Se deram mal, graças ao coordenador.  Quase me enganaram.

Mais uma vez isso mostra que, para fazermos julgamentos imparciais, não podemos ser levados por sentimentos de querer ser bonzinhos e não mauzinhos.  Para ser justo é preciso usar regras bem definidas e aplicá-las para todos, doa a quem doer.

No próximo post veremos outro caso onde esse princípio se aplica.

Comentários

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  2. É difícil manter a fé no ser humano.
    Lembro bem de um episódio, em que haveria uma prova de probabilidade e estatística, e embora estivesse mergulhada no assunto, devido ao TGI, me sentia despreparada, e muito cansada mental e fisicamente. Tive oportunidade de colar, olhei pros lados, e aí meu olhar cruzou com o do Mestre (autor deste blog)! Foi então que resolvi seguir o caminho do bem, espremi mais alguns neurônios, e entreguei a prova... confessando meu despreparo, e cansaço... enfim... passei na matéria sem louvor, mas de consciência limpa. Já o TGI... foi 10 com louvor! Obrigada Mestre!

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  3. Para esses casos, eu pedia para os envolvidos explicarem a resolução. Como sempre fui muito flexível, não punia o autor da resposta. Mas houve um caso mais interessante, em um teste que os alunos deveriam construir um circuito, eu marcava com esmalte preto (em um lugar bem visível) para travar o ajuste fino e servir de check, pois apareceu um aluno com um circuito já verificado. Como não queria prejudicar o autor do projeto, tomei para mim o experimento e encerrei o assunto.

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