INDIGENTE
Em novembro de 1996 tive novamente a oportunidade de ir ao congresso de sistemas controle da Agência Espacial Europeia ESA, no mesmo lugar na Holanda (Noordwick). Como já conhecia o lugar e também tinha estado várias vezes no frio da Rússia, achei que não precisaria me preocupar com o fato de que já estaria frio por lá.
Levei um casaco importado de meia estação azul, muito bom
por sinal, que julguei que daria conta do recado. Nessa ocasião é que descobri a diferença
entre o frio seco e o frio úmido (Holanda é cercada de água). Passei muito frio, embora a temperatura
estivesse positiva.
O congresso transcorreu normalmente e meu voo para o Brasil
sairia num sábado pela manhã. Quando fui
planejar minha ida para o aeroporto de Schiphol, descobri que o primeiro ônibus
que partia para a estação de trem mais próxima não permitiria chegar a tempo
para o voo. O valor do taxi até o
aeroporto sairia em torno de 100 dólares (uma fortuna para a época).
Tive então uma “brilhante” ideia. Deixei o hotel na sexta-feira (cuja diária
era em torno de 50 dólares) e fui de trem para o aeroporto, na intenção de
ficar em um hotel próximo do aeroporto e não precisaria de transporte no dia
seguinte.
Quando cheguei no aeroporto ao final da tarde, descobri que
o hotel mais barato ficaria em 400 dólares!!
Ou seja, teria sido muito mais barato ter ficado onde estava e ir de
taxi para o aeroporto.
Considerando a dificuldade financeira em que vivia e sendo
ainda jovem achei que podia encarar uma loucura. “Vou passar a noite no aeroporto e não pagar
nenhuma diária de hotel afinal terei de esperar apenas 12 horas”. Havia diversas lanchonetes no aeroporto e
também sanitário. Portanto, eu tinha
tudo o que precisava até o check-in, pensava eu. Assim decidi, assim fiz sem
saber do que me esperava.
O primeiro problema apareceu quando descobri que todos os
assentos do aeroporto tinham braços metálicos que impediam, propositalmente, que
você deitasse neles. Fiquei sentado
esperando o tempo passar. Começou então
a minha saga.
Quando todos os voos acabaram o aeroporto desligou as luzes
só ficando iluminação suficiente para o pessoal da manutenção. Até aí tudo bem. Então comecei a sentir frio e descobri que
haviam desligado também o aquecimento.
Como dizem que desgraça vem aos cachos e não às pencas – começou a nevar
!!.
Comecei a ficar desesperado de frio. Me levantei e fui ao sanitário e lá estava aquecido. Não morreria de frio se passasse a noite
sentado no vaso sanitário. Entretanto,
essa não me pareceu uma opção e, então, tive outra ideia. Peguei a roupa suja que havia na mala que eu
transportava (o check-in seria apenas no dia seguinte) e comecei a colocar por dentro
do casaco. Fiquei todo rechonchudo, parecido
com um boneco de neve azul. Além disso,
fiquei me movimentando, empurrando o carrinho com as malas.
Já passava da meia-noite e os funcionários do aeroporto me
olhavam com um olhar misto de pena com sarcasmo. Eu já estava parecendo um zumbi de sono e
cansaço. Até que um milagre
aconteceu. Junto da escala rolante que
dava acesso à estação de trem encontrei um aquecedor no nível do chão que não
havia sido desligado.
A essas alturas minha dignidade estava em baixa. Me deitei no chão com as costas no aquecedor
e com a pernas sobre as malas (para que não fossem roubadas) e apaguei. Acordei já com a luz do dia, vendo um monte
de pernas que passavam por mim, saindo da escada rolante. Eu era o próprio indigente.
A partir dali tudo transcorreu normalmente. Fiz o check-in e voltei para o Brasil. Havia passado um grande vexame e desconforto
mas havia economizado um dinheiro que me faria falta e, acima de tudo, sobrevivido.
Hoje olho para trás e conto esse episódio como se fosse engraçado,
mas naquele momento não foi. Seja como
for, representou uma grande resiliência da minha parte e tenho orgulho de ter
enfrentado e vencido tantas situações adversas.
Esses perrengues de viagem nos ensinam muito!
ResponderExcluirEstá é mais uma boa razão para não julgarmos ninguém pela aparência.
ResponderExcluirNão conheço uma boa história que veio de uma situação agradável.
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