O ALEIJADO

Em agosto de 1995 estive pela primeira vez em Pequim para participar de uma Conferência da Federação Internacional de Controle Automático IFAC.  Geralmente, essas conferências providenciam alguns passeios com os participantes.  Além de divulgação turística e cultural, têm como objetivo principal a interação entre os pesquisadores.

Estávamos dentro de um ônibus que sairia do local da conferência para visitar a Grande Muralha e havia uma guia muito eloquente que explicava o que deveríamos encontrar.  Ela também estava aberta a perguntas e logo perguntaram sobre o massacre da Praça da Paz Celestial que havia ocorrido alguns anos antes (1989).  Ela deu a explicação oficial, obviamente.

Foi quando um participante da conferência - Coreano - resolveu mudar o rumo das perguntas.  “Fale-nos como é que as moças chinesas namoram” disse ele, claramente chavecando a guia, que era uma chinesa esguia e bonita.

A moça deu um sorriso enigmático e começou sua explanação: “aqui na China nós mulheres valorizamos muito a altura dos homens e os dividimos em 3 classes: acima de 1,80 m , entre 1,80 e 1,75m  e os aleijados (handicapped)”.  O Coreano que tinha, aproximadamente 1,70 m, entendeu a deixa e recolheu-se à sua insignificância de “aleijado”.

Procurei segurar o riso e, em seguida, comecei a ficar indignado.  Tentei me colocar no lugar do Coreano. O que ele havia feito de errado para ser humilhado daquela maneira ?  Mesmo que a guia não estivesse interessada na abordagem do Coreano - que, diga-se de passagem, foi muito cortês - ela deveria estar grata por ele ter desviado uma conversa incômoda.  

Fiquei imaginando se ela tivesse dito isso para mim.  Minha tréplica vingativa seria: acho que você está confirmando uma lenda sobre os orientais. Por isso dão importância para esse tipo de tamanho...

Deixando os preconceitos de lado e pensando mais friamente na situação, porque ela teria reagido daquela forma?  Certamente não era por racismo pois eram da mesma etnia e de paises visinhos.  Não creio que ela estivesse cansada de ser assediada, principalmente em um país em que a conduta é controlada.  O mais provável é que ela estava se achando por estar numa posição de destaque.  

Naquela conferência, eu já havia percebido como os estudantes voluntários se mostravam arrogantes por estar se relacionando com estrangeiros (mesmo com um inglês péssimo).  Não seria de estranhar que a guia aproveitou a oportunidade para mostrar a um coreano que, naquele momento, ela estava empoderada.  Talvez ela estivesse com a síndrome da abelha que se vê como rainha mas que é apenas um inseto.

Ela perdeu sim uma oportunidade de mostrar grandeza e essa foi ofuscada pela vaidade. Lembrei-me da última frase do filme Advogado do Diabo (que recomendo) dita pelo próprio diabo: “definitivamente, a vaidade é meu pecado predileto”.

Comentários

  1. Acredito que existe preconceito sim, tem muito mais chances de encrencar com alguém que você convive, do que com alguém distante. Não que isso seja caso de um grande conflito, mas como piadas. Como SJC e Jacareí, Rio e São Paulo, São José do Seridó e Cruzeta.
    No final, foi apenas uma chinesa fazendo uma coreano que não era atraente parar de insistir.

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