NO MORE

Em 1987 foi lançado um excelente filme chamado The Principal (um diretor contra todos, na versão brasileira).  Nele um professor de escola pública, cujas atitudes estavam incomodando o sistema, foi mandado para ser o diretor de uma escola de periferia dominado por vagabundos e traficantes.  Na verdade, seria uma maneira de se livrar dele.  Entretanto, ele se sai muito bem, não sem antes haver uma verdadeira guerra de quebra de paradigmas.  

O recém-empossado diretor passeou pelas salas de aula e demais instalações da escola observando e, em seguida, marcou uma reunião geral com todo o colégio (alunos e professores).  Havia uma grande expectativa por parte dos alunos para saber o que aquele cara tinha a dizer, afinal a escola era considerada a pior da região.  O diretor, então, se prepara para falar e seu discurso tem apenas 2 palavras NO MORE! (na tradução é dito ACABOU) Aguarda alguns instantes de silêncio (ninguém entendeu nada) e ele repete: vocês entenderam ?  NO MORE (acabou).  Então, passa a explicar que nada mais do que estava acontecendo na escola continuaria a acontecer e encerrou a reunião.  Houve um grande burburinho tanto de alunos como de professores.  Os alunos zombavam e os professores se perguntavam como ele faria isso.

Na sequência o tal diretor toma medidas nada convencionais.  Uma delas foi pagar extra para os professores de educação física (uns negões enormes) serem também inspetor de alunos o que fez com que fossem respeitados e por aí foi.  A reação foi geral, mas no final acabou por dar certo.  Esse filme impactou muito minha vida.

Em 1995 fui procurado pelo então Capitão Domiciano buscando conselhos.  Domiciano é engenheiro de software formado pelo ITA e eu havia sido seu primeiro chefe por alguns anos.  Ele agora trabalhava no grupo de software, que ficava em outra divisão.  Esse grupo deveria implementar o sistema de controle do VLS.  O grupo era enorme, com muitos profissionais titulados ou fazendo cursos de especialização.  Ainda assim, o trabalho não andava.  Havia sido formado mais de um ano antes e ainda não havia nada implementado que pudesse passar por algum teste preliminar.  Diante desse cenário, que impactava diretamente o cronograma de lançamento, o diretor do IAE, numa real atitude de gerente, removeu o chefe do grupo de software (que era um coronel) e colocou Domiciano em seu lugar.  

Domiciano era um profissional sério, dedicado e muito educado.  Tratava a todos com muita parcimônia e estava preocupado em como chefiar um grupo que, embora bem-preparado, não produzia.  Então eu me lembrei do filme descrito acima e fiz esse mesmo resumo para ele.  Concluí recomendando que ele, aos moldes daquele diretor, fizesse uma reunião com todos os participantes do grupo de deixasse bem claro: acabou ! (no more)  Agora é pra valer.  Chega de enrolação e cada um fazendo o que quer e do jeito que quer.  Irão todos atender às demandas nos prazos e não mais colocarem seus interesses pessoais à frente dos interesses institucionais.  Aconselhei também a fazer um alerta dando a oportunidade de quem não concordasse com a novas diretrizes pedisse afastamento da equipe imediatamente.  Ele não criaria nenhum embaraço para quem quisesse cair fora mas iria cobrar responsabilidade de quem ficasse.

Não sei como ele conduziu a reunião, mas sei que nas semanas seguintes mais de metade da equipe pediu transferência.  O grupo que ficou, agora poucos, trabalharam duro e fizeram o VLS voar sem nenhum problema no software.  Parabéns ao Domiciano e sua pequena equipe de abnegados guerreiros que encaram e venceram o desafio.

Isso mostrou claramente que aquilo que eu havia aprendido no filme era o caminho correto para abordar aquele tipo de situação.  Não adiante contemporizar com o erro, é preciso corrigí-lo.  Doa a quem doer.  É mandatório dizer: NO MORE.

Comentários

  1. Certa vez em um projeto me colocaram como coordenador, acredito que foi uma forma da direção poder cutucar meu colega "Morfeu", que tinha mais tempo de empresa, assim, evitando uma indisposição entre ele e a direção.
    Não foi aquela super mudança de comportamento, mas ajudou um pouco.

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