A.R. Missão Secreta - a chegada

O avião tocou o solo em Guarulhos por volta das 6:00hs de sábado.  O alívio era grande, mesmo após uma noite mal dormida.  A próxima dificuldade a ser enfrentada seria a alfândega.  Entretanto, não foi necessário.  Ao sair do avião havia um oficial, que trabalhava conosco, nos esperando.  Ele nos disse que estava com uma viatura do CTA que iria transportar as plataformas e seus acessórios para São José dos Campos.

De fato, nem vimos o desembarque do material.  Apenas pegamos nossa bagagem pessoal e passamos por todo processo de chegada sem nenhum problema.  Não tenho a mínima idéia do que teria sido combinado mas a viatura encostou ao lado do avião e pegou a carga.  Além da viatura de transporte, o diretor do IAE mandou seu próprio carro funcional para nos transportar para casa.  Uma honraria a essas alturas.  

Tudo parecia um final feliz quando pegamos a rodovia Airton Senna (que na época se chamava Trabalhadores) até que próximo à entrada de Mogi das Cruzes, surgiu um nevoeiro intenso (visibilidade próxima de zero).  O carro que ia à frente da viatura, parou repentinamente com medo da situação.  Claro que isso obrigou a viatura a uma freada brusca e inesperada.  Nosso carro (o do diretor) colidiu com a viatura e assim sucessivamente.  

Havíamos nos envolvido num enorme engavetamento com cerca de 50 viaturas.  Meu companheiro de viagem, o engenheiro Domingos, se feriu levemente batendo o rosto contra o console do carro.  O carro do diretor teve seu capô dobrado.  No momento do acidente, ao sentirmos os impactos sucessivos dos carros, saímos imediatamente do nosso e pulamos a proteção da pista para fora.  Havia o risco de esmagamento ou mesmo incêndio.

Passado os primeiros momentos de susto, o próximo pensamento foi: e a plataforma ??!!  Felizmente, nada sofreu.  A própria viatura que a transportava só teve um leve amassão no traseiro.  Alguém ligou para o Coronel Ribeiro, que aguardava ansioso, para informar a “novidade”.  A orientação foi : se o carro estiver em condições de rodar, venham imediatamente.  Assim completamos a viagem até São José, sempre com um pensamento: o que falta mais acontecer ?  Poderíamos ser detidos pela polícia rodoviária, por estar trafegando com um carro visivelmente acidentado.

Ao chegarmos no IAE, além da bronca de Ribeiro que teve seu carro arregaçado, ficamos sabendo que, no dia anterior, a revista Veja estava nas bancas com uma reportagem enorme, com chamado na capa, intitulada: MISSÃO EM MOSCOU !  Ou seja, o repórter Willian Waack já havia publicado sobre nossa estada lá antes mesmo de termos chegado ao Brasil.  E olha que só havíamos passado 3 noites em Moscou.

A reportagem não travava do que conversamos (que foi quase nada).  Ele já sabia de tudo: a natureza do contrato, a empresa onde íamos e o que iríamos fazer e até o número de viajantes (que eu não havia dito pra ele).  Ou seja, ele entrou em contato comigo apenas para confirmar a minha presença, pois ele já dispunha de todas as informações que deveriam ser secretas.

Isso trouxe um tremendo mal estar para mim.  Na semana seguinte tive que preencher um relatório de inteligência para que se averiguasse como aconteceu o vazamento de informações.  Algum tempo depois, ficamos sabendo de que as informações vieram da própria DUMA (o congresso russo).  Isso tirou total responsabilidade dos meu ombros.

Entretanto, trouxe outra preocupação.  As pessoas que vazaram a informação não o fizeram para um repórter brasileiro (na época um desconhecido).  Certamente foram pagos por algum serviço de inteligência estrangeiro e a reportagem foi um jeito de dizer: Viu ? sabemos o que vocês estão fazendo !

Apesar de todas as dificuldades da missão, desde seu início até o desdobramento do fim, tivemos sucesso em trazer o equipamento para o Brasil.  Ele não apenas eram essencial para o lançamento do VLS mas também trouxe conhecimento e maturidade na área de navegação inercial.

O mais incrível de toda essa epopéia é que ela não seria possível hoje.  A mentalidade e legislação mudaram tanto que nada do que foi feito seria permitido hoje.  Até o contrato com a Almaz não teria sido feito, muito menos uma missão como essa.  Em vez de atos de bravura, seriam considerados como uma série de ilegalidades.

A quantidade de dificuldades inesperadas e resolvidas me deu muita maturidade e segurança profissional.  Tenho orgulho de ter participado de tal missão e a cumprido. Ainda que, se fosse hoje, eu seria considerado um malfeitor.

Comentários

  1. Waldemar, a missão só foi revestida de sigilo por causa da vigilância sobre o desenvolvimento de foguetes na Brasil. Na época, havia este compromisso de realização. No meu entender, o Brasil não deve se curvar e se limitar em busca de progresso científico e tecnológico. Se outros o fizeram, porque não nós? Mesmo os desenvolvimentos em energia nuclear, principalmente pacíficos, mas sem excluir os bélicos , são meios de autonomia e preservação. É claro que tudo isto exige sabedoria e respeito. Mas quem garante que os países detentores de tais meios agirão desta forma a qualquer momento?
    Portanto, a oposição à autonomia é escravizante, e deve ser combatida, o que exige coragem e determinação de nossa sociedade.

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    1. Concordo contigo 100% Palmerio. Por isso, não tive nenhum receio ao fazer o que fiz e faria tudo novamente se necessário

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  2. Existem coisas erradas que são permitidas por lei, existem coisas certas que são punidas pela lei.
    Aí vem a história do lobo e o cordeiro, não existe apenas o tolo bom ou o esperto mau. Também existe o pastor, que é um esperto bom, esse tem tranquilidade por conhecer o que é certo e ignora as leis erradas sem nenhum peso na consciência.

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