O SANDUÍCHE

Até a implantação do euro em janeiro de 1999, viajar pela Europa era uma verdadeira torre de Babel monetária.  Em cada país que você estivesse, mesmo que fosse só no aeroporto, e precisasse gastar algum dinheiro, seria necessário procurar uma casa de câmbio e trocar dólar pela moeda do país.  Além da diferença entre valor de compra e venda, havia também uma taxa fixa cobrada pelas casas de câmbio, tanto para venda como para compra.  Em outras palavras, você estava sempre perdendo dinheiro, em cada país que estivesse.

Como a diária naquela época era, se não me falha a memória, em torno de USD 140, que recebíamos em espécie (diferente do que aconteceu no post Viagem ao Exterior I).  Essas diferenças de câmbio acabavam por reduzir ainda mais nosso poder aquisitivo durante a viagem (que era baixo).  Lembrando que eu não tinha cartão de crédito internacional naquela época.

Além do problema econômico, os voos transatlânticos de mais de 10hs tornam as viagens exaustivas.  Então, eu sempre procurava concatenar mais de uma missão por viagem, no intuito de minimizar o desgaste físico, especialmente para aquelas em que era mandatório as conexões (como era o caso da Rússia).  Assim, era comum eu visitar mais de um país (pelo menos no aeroporto) durante uma missão (as vezes 4, 5 até 7).

De fato, eram critérios conflitantes.  Era melhor ir a um único país em uma viagem, para economizar os recursos.  Ao mesmo tempo, era melhor ir a vários países em uma viagem, para mitigar o desgaste de várias viagens.

Numa dessas viagens em 1996 fui a 4 países diferentes e estava em conexão na Alemanha (Frankfurt) para a Rússia.  Eu deveria esperar 6 horas até o voo para Moscou e estava morrendo de fome.  Eu já tinha tido um bom prejuízo na passagem pela Holanda, pois havia trocado mais Florins do que o necessário.  No bolso eu só tinha marco alemão o suficiente para comprar uma latinha do coca-cola.  Não dava para comprar nada para comer.

Nesse momento, vi no banco em frente ao meu, um oriental bem vestido (provavelmente um executivo japonês) que estava comendo um sanduíche.  Um tipo desses que se compra em máquinas e que já vem cortado e as metades embrulhadas separadamente.  De súbito, ele se levantou e saiu apressado, deixando a metade não comida do sanduíche para trás, em cima do banco.

Pensei comigo mesmo: “será que ele vai voltar ?”  Imediatamente, me levantei e me sentei ao lado do sanduíche.  O motivo era duplo.  Eu iria esperar para ver se ele voltava e, ao mesmo tempo, não deixar nenhum aventureiro tomar posse daquele tesouro. 

Esperei uns 10 minutos, até me convencer que ele havia deixado o sanduíche ali exatamente para um desafortunado (esfomeado) com eu.  Os japoneses são conhecidos por manterem a limpeza do local que frequentam.  Assim, alegremente, peguei o meio sanduíche, e fui para a máquina de refrigerante gastar os últimos trocados que tinha.  Tive o cuidado de me sentar em um banco distante do local original.  Afinal, os sanduíches eram todos iguais e ninguém suspeitaria da sua origem.

Quando me lembro dessa e de outras baixarias que tive que fazer para sobreviver no exterior (vide post Indigente), fico pensando no esforço enorme feito para conseguir adquirir o conhecimento necessário ao desempenho da minha profissão.  Nunca medi esforços pra isso.  Realizei missões com risco da própria vida (vide os posts missão secreta).  Em 2004, realizei uma viagem de 10 dias onde estive em 4 países (não dava tempo de desfazer a mala).

Ao mesmo tempo cansei de ver pessoas que fazem das viagens ao exterior o objetivo em si.  Quanto mais viagens melhor.  Objetivam o passeio e, se possível, algum dinheiro.  A missão em si é secundária ou até mesmo desnecessária.  Quantos estariam dispostos a comer meio sanduíche abandonado para viabilizar sua missão ?

Comentários

  1. Creio que muito poucos, raríssimos, com certeza.

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  2. Essas histórias são engraçadas, fazem parte dos percalços da vida e no contexto não há nada do se envergonhar.

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