CARGA

 No segundo semestre de 1997 começou a campanha de lançamento do primeiro VLS.  A expectativa era imensa.  A maior correria, mas motivação era tanta que nada poderia impedir o grande evento.

Chegou o dia em que eu deveria ir para a base de Alcântara no Maranhão. Havia um profissional que cuidava dessa administração do lançamento - algo que exige muito trabalho e organização.  Esse profissional, que vou chamar Licurgo era, na verdade era da área técnica e estava deslocado de suas funções para a área administrativa, por vontade própria.  Isso é um evento muito estranho das instituições de pesquisa das quais tive contato: a quantidade enorme de profissionais deslocados de funções técnicas especializadas para a área administrativa.

Pois bem, Licurgo havia me avisado que estaria comprando a passagem de avião para a minha ida para São Luiz.  Naquela manhã ele me ligou dizendo que havia conseguido uma vaga no avião do CTA que iria para Alcântara no dia seguinte.  Ainda ressaltou que isso me permitiria ir direto para a Base sem precisar ir a São Luiz primeiro.

Na mesma tarde, fui ao aeroporto ajudar a carregar o avião Bandeirantes que levaria diversos itens para a operação de lançamento.  Descobri, então, que seria naquele avião que eu voaria no dia seguinte.  Outra surpresa é que entre as pessoas que estavam ajudando a carregar o Bandeirantes havia profissionais do INPE, que também participariam do lançamento com respeito ao satélite.

Quando terminamos de carregar o que deveria, ao nos despedirmos, eu disse: então até amanhã pela manhã!  A resposta deles me surpreendeu.  Nós não iremos nesse avião, não somos carga !!  No momento, fiquei indignado pois achei que isso seria falta de espírito de equipe e participação.

No dia seguinte, pela manhã, embarquei numa das piores viagens da minha vida.  O Bandeirantes por não ter autonomia de um voo direto até Alcântara teve que fazer 2 paradas - uma em Brasília e outra em Imperatriz.  Durante o voo, passamos por uma tempestade em que caiu um raio na asa do avião.  Quando chegamos em Imperatriz, a temperatura era tão alta que o asfalto da pista grudava em nossos sapatos.  A viagem levou 9 horas.

Para minha maior surpresa, quando cheguei em Alcântara, Licurgo já estava lá.  Ele havia viajado com a passagem que seria minha e chegou confortavelmente horas antes.

Então percebi que aqueles profissionais do INPE tinham, de fato, razão.  Eles não eram carga, queriam e deviam ser tratados com respeito.  Eu sim havia sido tratado como carga. A empolgação do momento e o desejo de participação para que nosso sonho pudesse ser realizado haviam sido usados para o interesse escuso e antiético de levar vantagem indevida.

A lição que aprendi foi que qualquer sacrifício necessário deveria ser decidido por mim e não por outrem.  Deixei de ser ingênuo de supor que, em toda a organização humana, todos tenham o mesmo propósito e disposição.  Sempre haverá aqueles que irão procurar tirar vantagem da situação mesmo que às custas de seus próprios colegas.  

Me faz lembrar a parábola de Jesus sobre o joio e o trigo.  Mesmo que se semeie trigo, aparece joio. E quanto mais trigo, mais joio.

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