MEU HERÓI

 A década de 1990 foi especialmente difícil, do ponto de vista salarial.  Ganhávamos muito pouco e já havia tido uma greve em 1991 (vide post Greve Inútil).  Já havíamos perdido muitas pessoas qualificadas que procuraram salários mais justos.  Outros, como eu (vide post Questão de Autoridade), buscaram um segundo emprego para complementar a renda.  

Com a chegada da campanha de lançamento do VLS o ambiente tornou-se mais tenso.  Como se não bastasse a responsabilidade de fazer funcionar um dos maiores projetos de engenharia do país somava-se a isso a sensação de desvalorização profissional, comparando o que fazíamos com o que ganhávamos.

Foi nesse ambiente que aconteceu um episódio inesquecível.  O engenheiro Lobo (nome fictício), profissional altamente qualificado, era o chefe da equipe que estava preparando o banco do controle do veículo em Alcântara.  Foi quando ficaram sabendo que o presidente Fernando Henrique Cardoso iria visitar a base, que se preparava para o grande evento.  O ambiente ficou ainda mais tenso.  Por um lado a tremenda insatisfação com a situação salarial.  Por outro lado, a preocupação, por parte da direção do Centro de Lançamento e do IAE, para que nada pudesse prejudicar ou constranger a visita do presidente da república.

Chegou o dia e FHC foi até o local onde Lobo e sua equipe estavam trabalhando e ouviu dele as explanações sobre o que estava acontecendo ali.  Ao final da conversa FHC, dirigiu-se para apertar a mão de Lobo.  Foi nesse momento que Lobo estendeu sua mão com o seu contra-cheque e o colocou na mão do presidente.  Pegou a todos de surpresa. FHC relutou em ler mas houve insistência de Lobo para que olhasse o conteúdo.

FHC demorou alguns instantes olhando o contra-cheque e exclamou: “é muito pouco !!”.  Então Lobo completou: “esse é o meu salário que sou chefe de toda essa equipe.  Todos aqui ganham menos que isso”.  O presidente balançou a cabeça e se despediu com uma promessa que ia resolver a questão.

Logo após, houve uma grande preocupação de como seria visto tamanha ousadia.  Lobo, entretanto, seguiu seu trabalho normalmente com  mesma serenidade de sempre e a convicção do dever cumprido.  2 semanas depois,  Lobo recebeu em sua casa um telefonema do próprio FHC.  Comunicando que estava assinando uma portaria de aumento para todos nós !!!!  Não foi a salvação da lavoura mas foi uma vitória enorme, para um momento tão difícil.

Lobo e eu sempre fomos amigos e tabalhávamos no mesmo andar do mesmo prédio.  Todas as vezes que eu me encontrava com ele dizia em voz alta: Lobo, você é o meu herói !!  Lobo era um cara muito sizudo e tímido e esse era um momento de descontração.  Eu fazia isso não apenas para honrá-lo pelo feito mas também porque ele ficava vermelho de vergonha com um sorriso sem graça.  

Não citei o nome verdadeiro de Lobo pois não pedi autorização para fazê-lo.  Até hoje o considero um verdadeiro herói.  Apesar de todas as dificuldades por que passamos, ele sempre deu o seu melhor e, no momento certo, teve coragem e desprendimento de mostrar a verdade.  Passando por cima de questões políticas e corporativas, não se intimidou e tomou uma atitude.  Atitude essa que gerou frutos dos quais todos se beneficiaram.  Quando eu crescer quero ser igual a ele !

Comentários

  1. Caramba, pai! Essa história eu não conhecia, ou pelo menos não me recordava... Por mais "Lobos"! Vou até aventar essa possibilidade com meu "excelentíssimo"!

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  2. Foi muito bem pensado e executado, certamente nenhum outro membro da equipe ia ter a possibilidade de fazer isso de forma tão cordial.

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