O SHAMPOO

No início de 1991, passei 4 semanas em Paris fazendo um curso especializado (vide post passando vergonha).  O curso em si foi muito proveitoso.  Entretanto, a estadia foi bastante tensa.  Foi precisamente naqueles dias que os Estados Unidos lançaram uma grande ofensiva militar contra o Iraque, naquilo que hoje chama a Primeira Guerra do Golfo.

Como a França fazia parte da coalizão que invadia o Iraque, temia-se represálias dos muitos muçulmanos que vivem na região.  Havia uma grande tensão no ar.  As ruas de Paris ficaram cheias de policiais e da guarda nacional (gendarmerie).  A todo tempo se ouvia: attention aux bomb. 

Como era de se esperar, os principais pontos turísticos estavam fechados ou extremamente restritos.  Isso tornou os 4 fins de semanas que passamos lá (eu estava com outros 2 colegas) muito tediosos.  Então decidimos ir à principal loja de perfume de Paris - Benlux - para comprar alguma coisa para nossas esposas e familiares.

Benlux fica na rua paralela ao museu do Louvre e é enorme.  Tem atendente para todo tipo de nacionalidade.  Achei incrível um sujeito que ficava na porta direcionando os clientes que entravam.  Ele olha pra você e diz sua origem (não sei como ele faz isso).  Olhou para nós e disse imediatamente: Brésilien!

Fomos atendidos por uma baiana muito falante.  Eu lhe perguntei o que havia de mais moderno no momento e que estivesse no topo das tendências.  Ela replicou sem nenhuma sombra de dúvida: “Temos esse shampoo aqui.  Com ele você pode ficar 40 dias sem lavar a cabeça!!”

Respondi atônito: “o quê ??!! É isso que está na moda?  Quem vai querer uma coisa dessas ?  quem vai querer ficar 40 dias sem lavar a cabeça ?  Se eu levar isso para minha esposa ela vai achar que a estou chamando de porca.”

A atendente ficou bastante sem graça mas argumentou, com serenidade, que as mulheres locais adoravam aquele shampoo, pois não era comum lavar a cabeça com a mesma frequência que as mulheres brasileiras.

Isso foi motivo de muita risada depois que saímos da loja (nenhum dos 3 levou o tal shampoo).  Mas hoje vejo o episódio com outros olhos e com um significado mais profundo.  É possível critérios antagônicos serem ambos válidos dentro das suas perspectivas.

Para o clima em que vivemos e com abundância de água que temos, tomamos banho todos os dias.  Se vivêssemos em um local onde um litro de água mineral é mais caro que um litro de leite (não é retórica, é fato) e o clima é clima frio e seco, teríamos outro comportamento.  Especialmente se tivéssemos enfrentado anos de guerra que geraram escassez de tudo.

Porém, tão importante quanto entender os motivos da diferença de comportamento é saber que isso não o obriga a adotá-lo.  Cada um adota uma solução para o seu problema que, não necessariamente, resolverá o problemas dos outros.

Além do mais, um shampoo que mantem a cabeça sem fedor ou coceira por 40 dias sem banho só teria utilidade por aqui se o fedor fosse da podridão moral e a coceira de fazer o que não presta.