A COINCIDÊNCIA

 Não lembro exatamente quando foi esse episódio bizarro, mas não faz diferença.  Eu havia recebido o contato de um estudante que gostaria de conhecer nosso trabalho no IAE.  Isso sempre foi muito comum.  Estudantes e candidatos de pós-graduação, interessados em tecnologia espacial, nos procuravam buscando algum tipo de orientação ou motivação.

Não lembro seu nome e vou chamá-lo de Bob.  Ele havia me enviado um e-mail (não havia mídias sociais na época) pedindo para recebê-lo e, então, marcamos um encontro.  Bob vinha de outra cidade e não tinha carro.  Então, combinamos que eu o pegaria no portão de entrada do CTA.  Ele também me avisou que viria com a namorada.

No dia combinado, Bob me ligou dizendo que estava com um casaco azul e um boné vermelho.  Essa descrição era necessária pois eu nunca o havia visto antes.  Quando chegou a hora combinada, peguei meu carro e me dirigi até a portaria do CTA.

Acontece que naquele exato momento começou a chover muito forte.  Quando cheguei na portaria, na parte que dá entrada para as pessoas que chegam a pé, pude avistar um casal.  Ele, conforme descrito, estava de casaco azul e boné vermelho.   Parei próximo aos dois e gritei (devido à chuva) Bob ?  O rapaz se dirigiu em direção ao meu carro e eu abri a porta de trás para que os 2 pudessem entrar o mais rápido possível.

Enquanto manobrava o carro para ir em direção ao IAE comecei a notar algo estranho.  A mulher não se parecia com uma possível namorada.  Era mais para a mãe dele.  Além disso, era um tanto desdentada, com o cabelo em desalinho e falando português caipira.  Nem deu tempo de fazer qualquer pergunta quando ela mencionou que estava indo na casa de um sargento fulano de tal.

Deu um friozinho na espinha quando pensei: meu Deus, quem são essas pessoas que coloquei dentro do meu carro ?  Perguntei ao rapaz se ele era o Bob e já não foi uma surpresa de saber que não era.  E agora ?  o quê fazer ?  Eles nem sabiam o endereço para onde queriam ir.  Eu havia dado entrada a 2 desconhecidos e não sabia o que fazer com eles.  Parei então no clube dos suboficiais e sargentos, dizendo que eles deveriam procurar lá as informações da pessoa que procuravam.

Imediatamente, voltei à portaria atrás do Bob.  A chuva já havia melhorado e tive dificuldade de perceber que ele se encontrava do outro lado da portaria (entrada de carros e não de pedestres) e estava sozinho.  A namorada não havia vindo, afinal das contas.

Contei para o Bob o que havia acontecido em tom de piada mas eu estava tenso com a tremenda coincidência que acabara de vivenciar.  Qual seria a probabilidade de você marcar um encontro com um casal em um determinado lugar e hora e naquele exato momento se apresentar outro casal com a mesma descrição enquanto o casal original não estava ?

Além disso, as condições meteorológicas permitiram que eu chamasse a pessoa pelo nome e ele não entendesse e eu não pude perguntar nada antes que adentrassem ao meu carro.  Tudo isso parece um desses filmes de suspense em que algo vai dar muito errado na sequência.  Felizmente, nada de errado aconteceu após.

Entretanto, ficou a lição.  Muitas vezes temos certezas baseadas em evidências meramente circunstanciais e que podem nos levar a conclusões muitos equivocadas ou absurdas. A única maneira de evitar isso é sempre questionar.  Afinal coincidências podem ser só uma coincidência.  

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