PÓS DEFESA

 Finalmente chegou o dia da defesa da tese, uma segunda-feira.  No domingo à noite, Cho me ligou para, segundo ele, passar instruções para defesa de tese.  Quando ele começou a dizer como eu deveria preparar os slides (naquela época não havia power-point, era retroprojetor e slides de acetato) eu o interrompi dizendo: “Cho, falta pouco menos de 24 horas para a defesa.  Os slides já estão prontos faz uma semana.”

Ele percebeu quão ridículo ele estava passando mas não perdeu a pose e começou a dizer que não queria ouvir “piadinhas” durante a defesa.  Achei aquele colocação despropositada e comentei:  “piadinhas ?  por acaso sou comediante ?  Sou um profissional e faço apresentações há muito tempo.  Sei me comportar muito bem.”  Ele arrematou dizendo que alunos ficam nervosos durante a defesa e por isso não se comportavam como deveria.  Não quis estender a conversa.  Agradeci e desliguei.

No madrugada seguinte, peguei meu carro e viajei 340 Km até o local da defesa e estava lá pontualmente às 11:00.  Cho e a banca de 4 doutores (2 da própria escola e 2 de outras bastante conceituadas) também foram pontuais.  Então começou a saga.  Cho trouxe um relógio desses utilizados em jogos de xadrez e, de forma ríspida, falou: “você tem exatamente 45 minutos para expor sua tese !”  e apertou o botão de disparo do tal reloginho.

Nesses momentos eu sinto que há um certo mover sobrenatural em minha vida.  Aquela atitude agressiva em nada me abalou.  Me virei para a tela e apresentei tranquilamente meu trabalho, slide após slide.  Quando terminei a conclusão me virei para a banca e passei a palavra para Cho.  Nesse exato momento, o ponteiro do relógio caiu da marca de 45 minutos.  Cho não fez nenhum comentário e passou a palavra para os demais doutores.

Os 4 membros da banca fizeram suas observações e indagações durante 2 horas (prazo normal para uma tese de doutorado) e finalmente a palavra voltou para Cho que, como orientador, deveria agradecer e encerrar a fase de arguição.  Mas não foi isso que aconteceu!

Ao retomar a palavra, Cho surpreendeu com a declaração para a banca: “vocês foram muito bonzinhos...”  A partir daí, em vez de encerrar a arguição, Cho passou a me fazer perguntas como se fosse uma prova oral.  Detalhe - as perguntas não eram sobre a tese e sim dos conceitos que a envolviam.  Acho que ele queria mostrar que eu não sabia do que estava falando.  Para sua surpresa, eu respondi com segurança (em momento algum demonstrei nervosismo) todas as perguntas.  Ele então encerrou aquela fase.

Após um curto período de avaliação por parte da banca saiu o veredito.  Tese aprovada com algumas modificações no texto.  Uma ata foi lavrada onde, não apenas a decisão de aprovação estava registrada, mas também a lista de 9 itens que eu deveria alterar no texto da tese.  Eu deveria apresentar o texto revisado em 60 dias e estaria tudo encerrado.  

Tirei uma foto com toda a banca e voltei para casa muito satisfeito.  Nem percebi na hora que Cho não havia me parabenizado pela conclusão da tese.  Em 30 dias eu já havia feito todas a alterações solicitadas em ata e encaminhei o texto completo da tese, pelo correio, para Cho.  Fiquei aguardando seu parecer final.

Os dias foram se passando e Cho não dava notícias embora eu tivesse diversas vezes procurado contato.  Quando faltavam 2 dias para completar o prazo de 60 dias, Cho me ligou dizendo que não aceitaria a revisão que eu havia feito na tese e não assinaria minha aprovação.  Minha primeira reação foi de uma argumentação óbvia.  Eu havia enviado o trabalho 30 dias antes, porque só agora ele me dizia isso ?  Marquei para ir no dia seguinte no Rio para que ele me dissesse o que não estava certo (ele apenas disse que não aceitaria, não disse o porquê).  Levei comigo o que deveria ser a versão final da tese.

Novamente uma longa viagem de carro para me encontrar com Cho e adivinhem o que aconteceu ?  Cho não foi trabalhar naquele dia e estava incomunicável.  Fiquei desesperado e já não sabia mais o que fazer.  Afinal era o último dia do prazo de entrega da tese.  Tudo indicava que ele havia feito de propósito para invalidar todo o meu trabalho.

Nessas horas de grande angústia, como várias vezes já havia acontecido em minha vida, a providência divina entra em cena em meu favor.  Eu havia ido ao setor de documentação, onde a tese deveria ser entregue, e reconheci a secretária do setor.  Ela era a antiga secretária do departamento onde eu estudava.  Assim que comecei a contar meu problema, ela sorriu e disse: " já sei é o professor Cho não é ?  Foi por causa dele que eu saí do departamento."  Então ela me mostrou o caminho.  Faça o seguinte, disse ela:  dê entrada na sua tese agora mesmo e procure o Deão Acadêmico que existe exatamente pra resolver esse tipo de problema.

Qual não foi a minha surpresa em saber que o Deão Acadêmico era um dos membros da minha banca!  Procurei-o imediatamente e mal comecei a contar o que havia acontecido ele me interrompeu e disse: “você já deu entrada na tese certo? Deixe Cho comigo e vamos resolver isso!”  Posteriormente fiquei sabendo que houve uma conversa que eu adoraria ter presenciado.  O Deão encarou Cho que argumentou que eu queria aprovar a tese de qualquer maneira (o que era absolutamente falso).  Ao que o Deão respondeu: “ele estava aqui, você não !  Lhe dou 30 dias para resolver essa questão.”

Cho me contatou para que eu fizesse novas modificações na tese.  Vejam que absurdo.  Ele não questionou as modificações solicitadas em ata.  Ele acrescentou novas modificações (algo totalmente ilegal).  Como eu já sabia da conversa com o Deão, resolvi não criar caso e fiz as alterações que ele pediu.  A mais estranha não era uma modificação no texto da tese mas ele queria que eu provasse que não havia trabalho similar no mundo.  Lembrando que estávamos em 1991 como poderia eu provar que não havia alguém no mundo, naquele momento, fazendo um trabalho similar ao meu ?  Fiz uma extensa pesquisa nos principais journals de controle da época e mandei os resumos anuais dos últimos 10 anos para Cho.  Junto mandei a nova versão da tese por correio registrado.  No último dia do prazo dado pelo Deão, Cho me ligou dizendo que não havia recebido a tese (embora o aviso do correio tivesse avisado da entrega).  Ao final da tarde do último dia, ele me ligou me comunicando que estava aprovando a minha tese.

O resumo de tudo é que Cho agora havia criado uma pós-defesa.  Uma tese já aprovada em ata fora colocada em cheque por ele que, simplesmente, não queria aprová-la.  

Mais uma vez eu me deparava com alguém que, embora tecnicamente fosse um indivíduo respeitado, como pessoa era anti-ético, desleal, ardiloso e vingativo.  Em outras palavras, um tremendo canalha.  Nunca mais busquei contato com ele.  Mas tive uma grande satisfação em encontrá-lo em Pequim, durante o congresso mundial da federação internacional de controle.  Ele estava lá para apresentar um trabalho e eu também !

Em função de tudo que passei com Cho, procurei jamais seguir qualquer uma de suas atitudes e dar aos meus orientados do doutorado o tratamento que eu não tive. 

Comentários

  1. Esse Cho bem que mereceria um bom chute na canela. De bico.

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  2. Voltando à questão do levantamento histórico sobre a vida de Cho, lembrei de algo que pode servir de exemplo.

    Em um momento no meio da graduação, quando eu estava conversando com o marido da minha prima (formado 20 anos antes), estávamos conversando sobre os professores em comum, quais ainda estavam na ativa e quais já haviam se aposentado.

    Em determinado momento chegamos a um professor que ficou do avesso em algum momento desses 20 anos. Um professor produtivo com bom desempenho virou uma pessoa a toa e desconectada do mundo (isso sendo gentil). Neste caso houve um evento relevante, será que Cho também teve algo assim?

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