O ACORDO

 Os 8 anos que dei aulas na Universidade Braz Cubas (UBC) formam mágicos.  Adorava dar aulas lá.  Entretanto, trouxe um alto preço para minha saúde.  Em 2001, comecei a ter crises de labirintite tão fortes que já não conseguia mais viajar de ônibus até Mogi das Cruzes.

Paralelamente, no ano anterior, houve uma mudança na direção da universidade.  Os cursos ligados à área de computação que tinham como coordenador o Professor Pio Torre (já falecido) se propunham a ter excelência pagando bem para professores com doutorado.  Para tanto, pagavam um salário diferenciado.  A nova direção da UBC resolveu mudar isso e passou a pagar a menos nosso salário.  

Assim que isso começou, eu fiz uma comunicação formal à coordenação avisando que meu salário estava sendo pago a menor.  Como não tivesse havido nenhuma mudança, fui fazendo comunicações para instâncias superiores e colhendo respostas (quando havia).  Foi um tempo difícil e tenso que durou mais de um ano.  Eu sabia que precisava percorrer todo o caminho administrativo até chegar às vias judiciais.  Como a saúde não estava mais ajudando eu pedi para diminuir o número de aulas.  

Ao final de 2001, decidi entrar na justiça cobrando os atrasados.  Antes disso, porém, enviei uma carta ao reitor comunicando a razão da minha atitude.  Nessa carta (que tenho até hoje) eu explico que estava triste em ter que agir na esfera judicial.  Que gostava muito de dar aulas lá e que já havia tentado todo tipo de diálogo, em vão.  Como último recurso estaria entrando na justiça contra a instituição para receber o que era meu por direito.

Procurei um advogado com toda a documentação que tinha.  Ele riu e disse: como você conseguiu tudo isso ?  é causa ganha, sem discussão!  Ele, então, entrou com o processo de cobrança dos atrasados.

No dia da primeira audiência, eu estava na sala de espera quando fui procurado pelo advogado da UBC.  Ele me surpreendeu com essas palavras: “O Reitor leu sua carta e me deu ordens expressas de fazer um acordo com o professor.”  Eu respondi, que apenas queria o que era meu e que fosse acrescentado as custas judiciais.  Assim, foi feito.

Nunca esqueci esse fato.  A decisão do acordo não foi tomada baseado nos “autos”.  Foi tomada bem antes, em função da carta que eu havia escrito, abrindo meu coração.  

Independente das dificuldades financeiras que a instituição poderia estar passando ou do mérito da questão que os atrasados eram devidos ou não, o coração daquele Reitor era de um verdadeiro professor, que coloca os mais altos objetivos de ensinar acima de quaisquer outros interesses.  

Em fevereiro de 2002, recebi um telefonema da UBC comunicando minha demissão.  Como eu já esperava e desejava isso (já não tinha mais condições físicas para continuar), comemorei.  A pessoa ao telefone ficou surpresa com a minha alegria.  Ela estava ligando para diversas pessoas (estava tendo demissão em massa) e todos estavam em pânico, deixando-a muito constrangida.

Infelizmente as consequências daqueles 8 anos em dupla jornada de trabalho vieram 1 ano depois com um infarte que me deixou 8 dias na UTI.

Apesar de tudo, aquele acordo foi uma forma honrada de virar aquela página da minha história.

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