COMO NOSSOS CHEFES

 Em meados de 1982, eu estava almoçando no restaurante dos oficiais do antigo IPD que ficava no forte São João, Urca.  Na mesa, eu estava cercado de oficiais que discutiam (e criticavam) os problemas do país e, principalmente, as atitudes dos seus comandantes.  Parecia que todos entendiam perfeitamente qual deveria ser o encaminhamento dos problemas ou qual a atitude que seus superiores deveriam tomar.  Eu permanecia quieto comendo.  Afinal, era uma mero recém-formado (menos de 4 anos), o que poderia dizer ?

Até que um deles, um major meu ex-professor do IME, querendo a minha participação, disse: então Waldemar, o que você tem a dizer sobre tudo isso ?

Fui pego de surpresa e, estranhamente, é nessas horas que tenho meus melhores momentos.  Eu respondi: “o que eu tenho sempre visto é que as pessoas que fazem críticas, quando chegam no cargo em que estão criticando, fazem a mesma coisa.”  Houve um silêncio constrangedor após isso até que o mesmo oficial falou: “Waldemar não critique, enturme-se.”  A conversa simplesmente acabou.

Minha percepção sempre foi aguçada para o que se passava ao meu redor mas não significa que eu entendesse o que estava acontecendo – ou seja, os motivos.  Ao longo de toda a minha vida profissional aquela percepção foi se confirmando repetidamente.  Pessoas que criticavam as atitudes de seus superiores, após assumir aqueles cargos faziam igual ou pior do que seus antecessores.  Faz lembrar daquela música – “minha dor é perceber que apesar de tudo o que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.”  No caso descrito seria dizer que ainda somos os mesmos e fazemos como nossos chefes.

A questão que se põe aqui é porquê ?  Eu vejo pelo menos 3 razões. 

1 – Existe uma ignorância com respeito às dificuldades enfrentadas pelos cargos superiores.  O fato de não sabermos exatamente com o que se está lidando e quais as ferramentas que se tem para resolver os problemas, nos leva a uma visão simplista como se fosse obvio a solução em questão.  Na posição de chefe, a visão que se tem é mais abrangente e muito frequentemente é preciso perder de um lado para socorrer ou ganhar em outro.

2 – O cargo de chefia pode inflar o ego do ocupante que passa a se sentir superior e passa a ter as mesmas atitudes que detestava antes, pois era isso que representaria ser chefe (na sua visão).  Costuma-se dizer que “foi mordido pela mosca azul” (criação de Machado de Assis).  Isso faz com que o “mordido” se esqueça de tudo que viveu como subordinado e como criticava aquela postura.  Via de regra, acaba fazendo pior do que os que criticava anteriormente.

3 – O cargo de chefia traz exigências que ele diverge mas para se manter na chefia acaba por agir segundo as regras que discorda.  As agir segundo as conveniências e não segundo suas convicções, acaba por vender a sua alma, para permanecer naquela posição ou até mesmo galgar postos superiores.  Pessoas assim acabam por deixar de serem protagonistas de suas próprias vidas para se tornarem meros produtos da conveniência do momento. 

É claro que existem aqueles que veem em um cargo de chefia a oportunidade de se locupletarem de forma ilícita.  A esse tipo de larápio, prefiro não dar nenhuma atenção.

Em meu caso, procurei permanecer em um cargo onde pudesse produzir o melhor de mim, sem me preocupar com sua importância.  Cheguei a ser consultado para ser chefe de divisão.  Declinei imediatamente, pois sabia que não teria a liberdade / autoridade de agir segundo as minhas convicções.  Quando finalmente passei o cargo de chefe de subdivisão (após 27 anos) tive a satisfação pessoal de dizer como o apóstolo Paulo: combati o bom combate, completei a carreira e guardei a fé

Comentários

  1. Há também a dificuldade com os subordinados. No serviço público, a impedância do sistema dá margem à insubordinação impune. A iniciativa privada não está totalmente imune, porque há relacionamentos do subordinado com pessoas de nível mais alto do que o chefe imediato. Existe um filme muito bom, em que o personagem central pedia demissão assim que lhe era oferecido cargo de chefia.

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