HOBBY REMUNERADO

 Em meados da década de 90, eu já dava aulas na pós-graduação sobre controle adaptativo (assunto do meu doutoramento), orientava teses e publicava trabalhos.  Em um belo dia recebi um telefonema de alguém interessado no assunto.

A pessoa se identificou como Limoeiro (nome fictício).  Disse-me que ficou sabendo que eu estava nucleando um grupo de estudos na área de controle adaptativo e tinha muito interesse no assunto.  Até aquele momento achei que seria algum aluno interessado em orientação (muito comum de acontecer).

Então, Limoeiro começou a dar mais detalhes de suas pretensões.  Disse que acabara de se aposentar como professor de uma universidade federal UF** e que estava em busca de um lugar que pudesse lhe pagar para estudar controle adaptativo.

Achei aquilo um tanto estranho e perguntei a ele qual era sua especialização e quais as matérias que ele lecionava.  Para minha surpresa, ele era engenheiro mecânico e não entendia nada do assunto que se propunha desenvolver.  Perguntei, então, porque ele quereria estudar um assunto tão complexo do qual ele nada entendia.  A resposta foi: “é um hobby mesmo. Ouvi falar do assunto e achei interessante”.

Eu ainda insisti, em prol da minha sanidade, já que era um hobby e ele seria um iniciante, porque ele não estudava isso sozinho ?  Porque precisaria de estar em uma equipe ?  Ele deixou bem claro.  Não iria fazer isso de graça.  Queria ser remunerado.

Aquela conversa começou a me deixar indignado.  O sujeito acabara de se aposentar no serviço público federal e estava procurando um lugar, dentro do próprio serviço público federal, que lhe pagasse por um hobby pessoal - um hobby remunerado.

Fui bastante educado com ele.  Agradeci ter-me procurado e disse que não existia nenhuma maneira de remunerá-lo para desenvolver os estudos que queria.  Além do mais Limoeiro morava em outro estado (bem longe de São Paulo).  Eu nem me lembraria dessa conversa se a história tivesse terminado por aí.  Infelizmente não foi o caso.

Naquele ano houve um concurso público para tecnologistas no INPE.  Não tardou muito para ouvir falar de Limoeiro novamente.  Ele havia passado no concurso, como tecnologista da área de sua formação mecânica.  Entretanto, após assumir o cargo resolveu ser professor do curso de pós-graduação em vez de trabalhar no cargo para o qual foi aprovado.

Como se não bastasse o absurdo de alguém já aposentado no serviço público federal tomar a vaga de alguém que ainda tivesse muito tempo de carreira, ele determinou o que iria fazer.  Como professor arrumou diversos casos com alunos.  Até onde sei, nunca publicou nenhum trabalho no tal hobby que ele disse que queria.

Não sei detalhes de como isso foi possível ou permitido acontecer.  Sei que Limoeiro é mais um exemplo de pessoas que veem no serviço público a casa da mãe Joana, onde se pode tudo - menos trabalhar sério - de forma remunerada.

A ausência da ética deixa um vácuo onde se propaga a onda da corrupção.

antonio gomes lacerda

Comentários

  1. Ser certinho demais, pelo menos no mundo ocidental, é para ser feito de trouxa.
    Um conhecido fez o projeto de vida mais incrível que eu já vi, é claro que ele não cometeu nenhum crime, mas certamente um "certinho trouxa" nunca faria nada igual.

    Após terminar o técnico do IF, entrou na UF como aluno. Logo fez concurso para servidor na mesma UF e foi trabalhar em um laboratório do curso dele. É conhecido que quase nenhum servidor de laboratório em UF faz nada, pois bem, ele usava essa métrica para estudar durante o expediente. Terminou a graduação e logo passou em um concurso melhor, mas durante a graduação conseguiu um estilo de vida totalmente fora da realidade.

    Esse tipo de pessoa pensa em 1º nele, 2º em si, 3º em sua pessoa e em 4º na sua vida.

    Está errado? Não. É crime? Não. Está certo? Não. Se fosse na iniciativa privada ia conseguir fazer isso? Não.

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