SER E NÃO SER

Não, não houve erro de digitação.  Não estou me referindo à famosa frase de Shakespeare em Hamlet (ser ou não ser, eis a questão).  Estou me referindo a uma atitude muito atual de pessoas que querem o que parece existencialmente impossível – ser e não ser simultaneamente.  Fazem Parmênides revirar no túmulo (se houvesse um). 

Na minha época de estudante havia um personagem da política brasileira em que se atribuiu o título de eminência parda (tradução de éminence grise   em referência a um frade francês).  Era alguém que exercia o poder de fato sem aparecer oficialmente com tal. 

Ao longo da minha carreira, encontrei diversas pessoas que tinham essa inclinação.  Queriam exercer influência ou simplesmente mandar sem que tivessem o cargo ou autoridade legítima para isso.  O próprio Kruger (personagem de diversos posts) era um exemplo disso.  Antes da minha chegada no IAE, ele havia sido chefe de divisão.  Por algum motivo deixou o cargo por outro não muito bem definido, dentro da própria divisão, e queria continuar mandando.

Quando me recusei a seguir suas ordens já que ele não era meu chefe (além de serem equivocadas), foi que desencadeou toda sua fúria contra mim.  Fúria essa que só parou depois do acidente de 2003 (será assunto de um futuro post).

Atualmente é bastante comum encontrarmos pessoas que querem ser diferentes mas não querem ser tratadas como diferente, ou seja querem ser e não ser.  Querem ser tratados de uma maneira diferente daquilo que se apresentam ser.  Pode parecer algum tipo de dissonância cognitiva mas não é.  É pura esperteza.  Querem o bônus sem o ônus.

Todas as nossas decisões e atitudes trazem consequências, tanto para o bem como para o mal.  É a lei da semeadura e colheita.  Se plantar tangerina não irá colher abacate.  Se plantar alface não irá colher abóbora.  Entretanto, um número cada vez maior de pessoas acha que pode mudar isso.  Ou pior, acham que isso lhes é de direito, o que é impossível.  Querem extrair o melhor de cada situação sem pagar o preço para consegui-lo.  Ou ainda querem fazer tudo errado e querer que dê certo.  

Imagine alguém que é extremamente preguiçoso e quer ter um corpo musculoso como aqueles que aparecem nas propagandas de televisão.  Esse alguém pode acreditar que um tal aparelho que faz ginástica por você vai lhe dar o corpo dos atores e atrizes que fazem o comercial.  Logo irá descobrir o quão irreal é isso.  A necessidade de disciplina e esforço durante anos para se obter aquele corpo não pode ser substituída pela facilidade.  Não é possível ser preguiçoso e esforçado ao mesmo tempo.  São opostos.

Não é diferente na vida profissional.  Quantas vezes tenho visto propaganda dizendo que você pode ser extremamente bem sucedido sem qualquer esforço.  Já vi filme em que adolescentes são capazes de consertar uma nave espacial com uma chave de fenda.  Isso cria uma falsa expectativa de que você pode alcançar grandes resultados sem esforço e dedicação.  Por mais inteligente que você possa ser, sem estudo e dedicação, não conseguirá obter benefícios dessa característica.

Nossas atitudes definem quem realmente somos e devem ser coerentes com as consequências que esperamos.  Como esperar ser tratado com respeito se sou desrespeitoso.  Não posso exigir ser levado à sério se não demonstro seriedade nas minhas atividades.  Como esperar um cargo de grande responsabilidade se não demonstro capacidade para tal.

A tentativa de ser e não ser nos leva a ser uma pessoa incoerente.  Uma dissociação entre o discurso e a prática.  Entre as ideias e as verdadeiras intenções.

“Você pode enganar uma pessoa por muito tempo; algumas por algum tempo; mas não consegue enganar todas por todo o tempo.   Jacques Abbadie

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