SOLUÇÃO ÚNICA

Na palestra de abertura de um congresso espacial europeu (2nd EUCASS 2007), tive a oportunidade de ouvir um ex-diretor da Agência Espacial Europeia (ESA), um alemão de excelente inglês.  Ele começou assim seu discurso: “em minha carreira descobri que existem 2 tipos de pesquisadores.  Aqueles que dizem essa é a solução porque é a minha solução e aqueles que dizem essa é a solução porque é a única solução”.

A plateia riu, eu inclusive.  Entretanto, fiquei pensando que eu havia vivenciado uma situação um tanto diferente daquelas que ele mencionou.  O episódio aconteceu em 1996, quando eu estava preparando o complexo (conjunto de sistemas) de controle que iria a bordo do VLS (veículo lançador de satélites) para conduzi-lo à satelização.

Havia sido feito um projeto de qual trajetória o veículo deveria seguir e seria esse complexo de controle o responsável de executá-la.  O último algoritmo deveria decidir o instante de ignição do último estágio estágio bem como sua atitude.  Eu pessoalmente desenvolvi esse algoritmo (publicado naquele mesmo ano em um congresso da ESA).  Acontece que ele resultava em uma equação de segundo grau e, portanto, com 2 soluções.  Uma delas era aquela prevista na trajetória projetada. 

O problema surgiu quando percebi que a segunda solução era muito melhor de que a primeira.  Na solução adotada a satelização ocorreria próximo da África durante a descendente do último estágio.  Enquanto na outra solução a satelização ocorreria próximo à costa brasileira, durante a ascendente do último estágio, com visada direta da base de Natal.  Isso traria um ganho muito grande para o lançamento pois daria autonomia ao Brasil em seu rastreio, sem depender de uma estação na África. 

Eu sabia que não seria fácil levar essa notícia para a gerência do VLS.  Então, primeiramente, procurei meus pares no INPE e lhes perguntei o que achavam da minha solução.  A resposta foi surpreendente: “nunca entendemos porque vocês adotaram a solução descendente...”  Assim que levei o assunto à gerência houve o esperado rebuliço mas o gerente aceitou minha proposta.

A questão passou a ser a fúria do projetista da trajetória, já que a solução dele não seria adotada.  O fato é que ele não estava errado.  Apenas não percebeu que a solução, encontrada por computador e não analiticamente, não era única.  O computador mostrou a solução correta mas não disse que havia outra.

Na semana seguinte Florêncio (nome fictício), o projetista, cruzou comigo na rua dentro do instituto e veio direto me falar.  Foi bem ríspido ao dizer: “vamos parar com essa história de 2 soluções.  Não existem 2 soluções”.  Tive bastante discernimento quando respondi: “olha eu devo ter feito alguma coisa errada.  Me mostra seus cálculos para que eu descubra onde está meu erro”.

Evidentemente, nunca me foi mostrado o que não existia.  A obtenção havia sido feita computacionalmente, sem apoio analítico.  A segunda solução (não quero chamar de minha pois não a inventei) foi a que foi implementada no VLS.

Mas vejam que situação curiosa.  Florêncio não estava apenas defendendo a solução porque era a dele.  Ele realmente acreditava que era a única solução.  A solução estava correta mas não era a melhor.  Havia outra.  Pensar em solução única já é um passo equivocado.

Hoje eu corrigiria o ilustre palestrante e diria: “amigo, verdadeiros pesquisadores buscam a melhor solução, independente de quem as descobriu”. 

Duvidar de tudo ou crer em tudo. São duas soluções igualmente cômodas, que nos dispensam, ambas de refletir.

Henri Poincaré

Comentários

  1. Eu costumo falar que a diferença entre o engenheiro e o cientista é que o engenheiro escolhe uma solução e apresenta como verdade aos gestores, o cientista fala de todas as possibilidades e explica o motivo de ter escolhido aquele, dando aos gestores a possibilidade de mudar o destino do projeto.

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